sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Al Qaeda 2010

   Umar Farouk Abdulmutallab
   Captura de Umar Farouk Abdulmutallab
   Detroit, 25 Dezembro 2009


    Outro terrorista oriundo de família milionária, à imagem do patrono Osama Bin Laden, desta feita o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab, marcou no dia de Natal a agenda terrorista Al Qaeda 2010.

   O ataque fracassado serviu para relembrar que na "frente distante" dos santuários do Islão, na lógica estratégica que Bin Laden definiu e outros prosseguem, os ataques a aviões, serviços de transportes ou alvos civis capazes de proporcionarem grande número de vítimas continuam a ser um dos objectivos essenciais dos radicais islamitas no Ocidente.

   Salvo recurso de acesso a armas radiológicas ou biológicas - o pior dos cenários -, as organizações terroristas islamitas apostam tudo por tudo na escalada de atentados que possam ultrapassar o impacto dos ataques de 11 de Setembro, das carnificinas de Madrid em 2004 ou de Londres no ano seguinte.

   A táctica terrorista de afrontamento é uma droga dura que obriga a redobrar a dose para conforto dos fiéis e temor de outrem.

                                          O eixo iemenita

    Da base ("al qaeda" significa precisamente "base" ou "fundação") paquistanesa-afegã criada nos finais dos anos oitenta pelos jihadistas em guerra contra a União Soviética até à actual galáxia de grupos terroristas com presença notória no Iémen e na Somália, além do Paquistão, os radicais islamistas perderam muita da sua sofisticação organizacional.

   O ataque ao voo da Northwest, copiando o padrão estabelecido em Dezembro de 2001 pelo bombista do sapato Richard Reid, que tentou também utilizar pentrita para derrubar um avião da American Airlines, revela a facilidade de recrutamento nos meios islamistas, mas mostra, igualmente, a crescente dificuldade em estabelecer células clandestinas na Europa.

   Na "frente próxima" da luta contra regimes ditos apóstatas e alvo de alegadas ocupações por infiéis, a galáxia radical islamita tem, no entanto, alvos bem mais precisos e uma base de apoio substancial, pelo que a verborreia ideológica se revela mais mortífera e eficaz ao potenciar conflitos étnicos-religiosos.

   O Paquistão, mais ainda do que o Afeganistão, é um palco de actuação privilegiado, sobretudo depois de fracassar a campanha antixiita de Abu Al Zarqawi no Iraque, mas, fustigados pela repressão e operações antiterroristas norte-americanas, os jihadistas têm vindo a refugiar-se mais recentemente no caótico Iémen.

   Fruste Estado marcado pelas dissensões tribais, o Iémen foi desde os anos setenta, juntamente com a Arábia Saudita, uma das principais fontes de recrutamento jihadistas e logo em Outubro de 2000 o contratorpedeiro norte-americano USS Cole foi atacado no porto de Adén.

   O Iémen, mais ainda do que a Somália, continua a apresentar condições para sustentar operações terroristas na península arábica e na África Oriental, servindo, ainda, de base para operações contra alvos ocidentais.

   Não por acaso, dos 198 presos que restam em Guantánamo 91 são imenitas e a eventual libertação de muitos destes detidos mostra-se problemática.

   Dois dos implicados na organização do ataque de Natal são imenitas libertados de Guantánamo em Novembro de 2007 que, após um período de doutrinamento antiterrorista na Arábia Saudita, acabaram por ressurgir no Iémen como líderes militares da Al Qaeda local.

   Os grupos radicais islamitas parasitam os conflitos locais do Magrebe à Indonésia, mas a sua sorte varia consoante conjunturas diversas e na presença de grupos com forte motivação nacionalista, conforme ocorre na Palestina ou no Líbano, a ideologia jihadista propagada por Bin Laden dificilmente se consegue implantar.

                               Um bando para matar muçulmanos

   De Caxemira à Argélia, tensões antigas propiciaram o advento de grupos radicais que, além dos seus objectivos locais, acabam por facultar operacionais para ataques a Ocidente.

   Os ataques na "frente distante", teorizados pelo saudita Bin Laden e o egípcio Ayman Al Zawahiri, revelaram-se efectivos, mas exigem financiamentos e uma rede organizacional que, presentemente, não estão ao alcance da maior parte das células jihadistas.

   A maioria das vítimas das investidas islamitas terroristas na matriz Al Qaeda acaba, assim, por ser gente dos estados da verdadeira linha da frente, os países muçulmanos.

   Nem os vis cristãos do dessacralizado Ocidente ou os Coptas do Egipto são as maiores vítimas da Al Qaeda.

   Muçulmanos, sobretudo xiitas, foram o principal alvo dos atentados cometidos nos últimos anos pelos terroristas que reivindicam o patrocínio de Bin Laden e Al Zawahiri.

   Os 313 atentados reivindicados pela Al Qaeda ou por organizações fiéis a Bin Laden entre 2004 e 2008 provocaram 3.010 mortos.

   Mesmo considerando os ataques em Madrid, em 2004, e em Londres, no ano seguinte (os 20 mortos do atentado de Outubro de 2005 em Bali, entre eles 15 indonésios, foram obra da Jemaah Islamiyah, uma organização local bem mais antiga e autónoma), só 12% das vítimas (371) era ocidental. A maioria dos mortos foi constituída por iraquianos, argelinos e egípcios.

   Considerando o período precedente, entre 1995 e 2003, 23 atentados reivindicados pela Al Qaeda resultaram em 3.454 mortos, mas aqui entram os ataques de 11 de Setembro, que causaram 3.021 vítimas.

   Inclusivamente na fase de maior sofisticação e eficácia terroristas, a Al Qaeda concentrou a sua acção em países de maioria islâmica (20 dos atentados) e, entre 433 mortos verificados em outros ataques efectuados entre 1995 e 2003, só 19% das vítimas (88 pessoas) era ocidental.

    A frente de ataque jihadista é fruste porque nada adianta como alternativa, resumindo-se à intransigência ante qualquer forma de modernidade alegadamente atentatória a valores atávicos de um Islão primordial.

   Fechada em si mesma, a Al Qaeda continuará em 2010 a tentar um ataque espectacular capaz de rivalizar com o 11 de Setembro, mas, mais do que nessa frente distante anti-ocidental, o terrorismo jihadista inspirado por Bin Laden continuará a seguir um padrão mortífero que o caracteriza como uma verdadeira máquina de matar muçulmanos.



Jornal de Negócios
20 Dezembro 2009

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