sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Merkel emenda a mão

 


  O apoio de Merkel à campanha eleitoral de Sarkozy, declarado ainda antes do presidente anunciar publicamente a recandidatura ao Eliseu, ilustra o temor de que uma eventual vitória do socialista François Hollande possa pôr em causa o plano de disciplina fiscal e orçamental da chanceler.

   Angela Merkel sofreu um desaire político ao ver-se obrigada a apoiar a candidatura de Joachim Gauck a presidente da Alemanha, mas mal maior a poderá atingir a curto prazo caso Nicolas Sarkozy falhe a reeleição.

   A chanceler cedeu depois de se revelarem vãs as possibilidade de se candidatarem personalidades como os presidentes do Tribunal Constitucional, Andreas Vosskuhle, e do Parlamento Federal, Norbert Lammert, e, sem alternativas, teve de curvar-se ante o homem a quem negara a presidência.

   Os liberais tinham cedido em Junho de 2010 à imposição por Merkel de Christian Wulff, um vice--presidente da CDU que se veio a revelar indigno do cargo presidencial, para salvaguardar a coligação.

   Apesar de terem sido cilindrados nas eleições estaduais do ano passado, os liberais sabiam que a chanceler não podia romper a coligação em plena crise do euro e, apostando num candidato com grande popularidade, alinharam com social--democratas e verdes a favor de Gauck deixando Merkel encurralada.

   A chefe do governo de Berlim emendou a mão e engoliu em seco, mas já não poderá fazer o mesmo quanto à sua estratégia europeia.

                                 Felizes com a chanceler

   As derrotas e perdas de votantes nas sete eleições estaduais de 2011 por parte dos partidos da coligação governamental prejudicaram especialmente os liberais de Philipp Rösler, enquanto Merkel manteve uma imagem positiva.

   O desempenho pessoal da chanceler é aprovado por cerca de 60% do eleitorado, de acordo com sondagem do canal televisivo ARD.

   A CDU/CSU soma intenções de voto próximas dos 40%, cerca de 10% acima do SPD, os Verdes quedam-se perto dos 15%, mas os liberais arrriscam nem sequer conseguir atingir os 5% de votos necessárias para obter representação parlamentar nas próximas eleições federais de Setembro de 2013, segundo dados do "Barómetro Político" da cadeia de televisão ZDF.

   As sondagens alemãs revelam, por outro lado, uma maioria rondando os 70% dos inquiridos contra a concessão de mais créditos de emergência à Grécia, enquanto percentagens similares de eleitores manifestam agrado pela forma como Berlim tem liderado os esforços de contenção da crise da eurozona.

   Transversal às simpatias partidárias sobressai a recusa em permitir transferências financeiras ou emissão de obrigações europeias que impliquem custos para os contribuintes alemães.

   O inalienável direito de veto do parlamento de Berlim em questões orçamentais é, igualmente, apoiada pelos inquiridos.

   A margem de manobra de Merkel é, portanto, muito limitada e os apoios com que conta estão dependentes da manutenção de um clima económico favorável, designadamente a altíssima taxa de emprego.

                             A ameaça que vem de França

   Austeridade anti-inflacionária para redução de défices de orçamentos e balanças de pagamentos, corroborada por compromissos legais por parte dos estados da eurozona e escrutínio supra-nacional, é estratégia que, independentemente de desacordos conjunturais sobre custos de eventual bancarrota grega, reúne de momento o acordo entre decisores alemães e faz o seu caminho na opinião pública.

   A formação de um núcleo à parte na zona euro de estados com economias exportadoras competitivas, défices orçamentais e dívidas públicas e privadas sustentáveis, e, consequentemente, altas notações de crédito, é assumido com naturalidade pelo eleitorado alemão.

   Merkel poderá continuar a encetar bruscas reviravoltas como já sucedeu no ano passado com o apoio à introdução de um salário mínimo nacional ou a renúncia à energia nuclear até 2022, mas para conseguir um terceiro mandato consecutivo, a sua estratégia de hegemonização política da eurozona terá de ser bem sucedida.

   O apoio de Merkel à campanha eleitoral de Sarkozy, declarado ainda antes do presidente anunciar publicamente a recandidatura ao Eliseu, ilustra o temor de que uma eventual vitória do socialista François Hollande possa pôr em causa o plano de disciplina fiscal e orçamental da chanceler.

   Um socialista de ideias heterodoxas e equívocas sobre despesa pública, apostado em estratégias de crescimento insustentáveis, é visto por Merkel como ameaça maior.

   Se Hollande chegar ao Eliseu Merkel perde o seu principal parceiro político e de imediato terá de pensar em equilíbrios paneuropeus bem mais complexas do que a governação em Berlim em coligação com os social-democratas entre 2005 e 2009 ou a opção pelos liberais desde então.

  Então, sim, a chanceler terá mesmo de emendar a mão.


Jornal de Negócios
22 Fevereiro 2012

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