sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O BCP às claras em Teerão

Pegando com pinças a comunicação diplomática parcial, truncada e descontextualizada, sobre um encontro entre Santos Ferreira e um representante da Secção de Assuntos Políticos e Económicos da Embaixada dos Estados Unidos, em Fevereiro de 2010, veiculada através de WikiLeaks, mesmo assim, ainda se conseguem colher alguns ensinamentos sobre um acto de desatino.

O BCP reconhece ter acedido, no início de 2009, a um convite do governo de Teerão para analisar a possibilidade de abrir linhas de negócios com empresas e bancos iranianos.
Nesta fase ignora-se se convites similares foram endereçados a outros bancos portugueses e suas eventuais reacções, mas, segundo o telegrama emitido de Lisboa, o BCP, após contactos com o Banco de Portugal, confirmados entretanto pelo banco central, optou por enviar uma delegação a Teerão.

Da visita realizada em Abril de 2009, mal passado um mês sobre uma declaração do Líder Supremo Ali Khamenei condenando as iniciativas políticas de Barack Obama para o Médio Oriente, passando pelas controversas eleições presidenciais de Junho, saltamos para a conversa de Fevereiro de 2010 solicitada pelo presidente do BCP para tactear a possível reacção norte-americana a eventuais negócios no Irão.

O cerne dos putativos negócios
O telegrama diplomático refere alguns pontos que batem certo com o comunicado do Banco de Portugal.

Santos Ferreira teria, alegadamente, esclarecido a posição de princípio do BCP de respeito pelos imperativos referidos pelo Banco de Portugal que explicitara as obrigações "decorrentes de legislação internacional que impõe medidas restritivas contra o Irão, designadamente os procedimentos específicos a observar pelas instituições financeiras nas suas actividades com entidades financeiras sediadas no Irão, bem como as proibições de financiamento ou de assistência financeira estabelecidas naquela legislação".

O Banco de Portugal teria, ainda, notificado o BCP quanto às "obrigações legais de comunicação ao Procurador-Geral da República e à Unidade de Informação Financeira de qualquer operação tentada, em curso, ou realizada, que seja susceptível de configurar a prática de crime de branqueamento ou de financiamento do terrorismo".

Na ausência de outras entidades confessadamente a par dos contactos do BCP com Teerão, e deixando de lado os inevitáveis desmentidos governamentais por ausência de prova factual, o resto da comunicação da Secção de Assuntos Políticos e Económicas, chefiada pelo conselheiro Richard Reiter, levanta, contudo, algumas questões.

O presidente do BCP afirma que o banco já teria informado a embaixada do Irão em Lisboa da decisão de não abrir negócios com entidades iranianas antes do encontro com o diplomata norte-americano, pretendo apenas "aferir qual a situação das sanções" e sua previsível evolução.

O telegrama refere precisamente o oposto e, não estando em causa a sua autenticidade, não se compreende porque iria a embaixada inventar que o BCP estaria em Fevereiro de 2010 a considerar a possibilidade de "realizar transacções a favor de instituições de crédito iranianas" e "operações de apoio" a clientes com interesses na área das exportações para o Irão.

Indica a Embaixada norte-americana que o BCP teria identificado quatro potenciais parceiros no Irão: três bancos privados - Tejarat, Parsyan e Eghtesad Novin - e outra entidade com participação estatal, o Export Development Bank of Iran. Nesses idos de 2010 todos eles a salvo das sanções em vigor decretadas pela ONU e a União Europeia.

O banqueiro não sabia
Causa estranheza que Santos Ferreira pareça ignorar e que o redactor do telegrama não indique que o Export Development Bank of Iran se encontrava desde Outubro de 2008 na lista negra de Washington como prestador de serviços para o Ministério da Defesa de Teerão.

O resto, a intenção de violação do sigilo bancário, é crime tipificado e prática ínvia e quase inevitável da banca no caso de transacções com estados, empresas e particulares que possam estar envolvidos em actividades suspeitas, neste caso um programa militar nuclear clandestino.

Informa a embaixada da disponibilidade manifestada por Santos Ferreira para acertar com as autoridades norte-americanas a vigilância das transacções de entidades iranianas que possam eventualmente vir a ter negócios com o BCP.

Recomenda a embaixada que se manifeste a oposição dos Estados Unidos a quaisquer transacções com entidades iranianas, ainda que reconheça a conveniência de caso no BCP vir a estabelecer relações comerciais com empresas e bancos do Irão se manterem os canais abertos para monitorização de eventuais negócios com Teerão.

A parte absolutamente abstrusa dos fragamentos que se conhecem destas conversas tem a ver com a conjuntura.

Andava Santos Ferreira nestas conversas com a Embaixada norte-americana, ponderando os custos e benefícios dos tratos com Teerão, em busca de protecção face a eventuais retaliações norte-americanas com propostas de salvaguardas, precisamente na altura em que estava ao rubro a negociação diplomática sobre a adopção de novas sanções económicas e financeiras contra o Irão.

No início de Junho deste ano, o Conselho de Segurança da ONU adoptava um quarto pacote de sanções interditando vendas de equipamentos e tecnologias passíveis de utilização num programa nuclear militar.

A resolução proibia, também, contactos com pessoas envolvidas em actividades de proliferação nuclear militar, congelava os activos do Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica e da companhia Linhas Marítimas da República Islâmica do Irão, além de recomendar particular vigilância sobre a actividade de instituições financeiras eventualmente ligadas a operações de proliferação militar nuclear.

A União Europeia, por sua vez, seguindo o exemplo de Washington, alargava significativamente no final de Julho as sanções contra o Irão, visando em particular o sector financeiro.
O Export Development Bank of Iran foi, precisamente, uma das instituições interditadas pela União Europeia.

A tonteria Não se compreende, portanto, a lógica que poderia levar o BCP a encetar operações com o Irão, juntando-se a uma vintena de bancos europeus que no início de 2010 ainda mantinham relações de negócio com entidades iranianas alvo de sanções dos Estados Unidos, logo na altura em que era claro que as restrições legais aos contactos com Teerão iriam aumentar.

O teor do telegrama da embaixada poderá ser "surreal e uma completa tonteria", conforme declara Santos Ferreira, mas não se vislumbra por que é que os diplomatas norte-americanos produziriam afirmações "falsas e fantasiosas" sobre um encontro solicitado pelo próprio banco.

Do que se conhece desta história, entre a versão do presidente do BCP e o telegrama da Secção de Assuntos Políticos e Económicos da embaixada norte-americana, a falta de discernimento parece ser uma falha a imputar a Santos Ferreira.

Jornal de Negócios
15 Dezembro 2010

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