sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Crescente Verde

 (Hassan al Banna)

Quando em meados de Janeiro os resultados das eleições confirmarem a predominância dos "Irmãos Muçulmanos" no parlamento do Cairo a Junta Militar não terá a opção dos seus confrades argelinos que há 20 anos impuseram o estado de emergência para fazerem frente a uma vitória nas urnas da "Frente Islâmica da Salvação".
Os militares egípcios, interessados em salvaguardar os privilégios que foram acumulando desde os anos 50, terão de chegar a um entendimento com os islamitas de forma a viabilizar a formação de um governo civil, a elaboração da constituição e a eleição presidencial no Verão de 2012.

Ante uma situação económica e financeira à beira da ruptura à direcção dos "Irmãos Muçulmanos" convirá evitar hostilizar os militares e confrontos com os cristãos coptas.

A colaboração com partidos laicos, a exemplo dos corregelionários da irmandade na Tunísia e em Marrocos, isolando as alas mais radicais do islamismo, é a via mais eficaz para consolidar posições num contexto de contestação social e opções económicas penosas para a maioria da população.

Arredar o espectro de um confronto à imagem da guerra civil argelina que se prolongou por uma década causando mais de 60 mil mortos é um dos desideratos imediatos do islamismo político no Egipto.

O ponto alto do islamismo político
Um século de activismo político islamita no mundo árabe sunita atinge o seu ponto mais alto com a esperada vitória eleitoral dos "Irmãos Muçulmanos" no Egipto.

A organização fundada por Hassan al Banna em Ismailia, em 1928, visava a restauração do Califado em respeito pela palavra literal do Corão e dos ensinamentos do Profeta, bases da lei islâmica, por via do exemplo pio e da acção caritativa.

Cedo a revolta contra a repressão e o fanatismo contra regimes apóstatas ou anti-muçulmanos gerou acções violentas em que a "jihad" como luta espiritual pela pureza religiosa se subordinou à "jihad" como imposição da lei sagrada pela força das armas.

Do Egipto à Jordânia forças islamitas impuseram-se pela contestação armada e terrorista, assistencialismo social e mobilização eleitoral - contribuindo as diversas tácticas para a vitória do "Hamas" nas eleições palestinianas de 2006 - e chegaram a influenciar decisivamente governos, caso do Sudão de Omar al Bashir entre 1989 e 2000.

O islamismo apostado na participação política pacífica, oscilou, por seu turno, entre a cooperação com os poderes instituídos e a resistência não-violenta à opressão, ainda que tenha visto as suas dissidências alimentarem derivas terroristas, e na actualidade hegemoniza o discurso político.

A falência de projectos socialistas e panarabistas - do nasserismo egípcio aos partidos "Ba'ath" sírios e iraquianos -, o apelo limitado e exclusivista do waabismo saudita e a erosão da legitimidade religiosa tradicionalista das monarquias de Marrocos ou da Jordânia, abriram caminho à expansão ideológica do islamismo político.

O modelo prático-doutrinário dos islamitas do "Partido da Justiça e Desenvolvimento" está a dar boas provas no universo turco, uma sociedade marcada pela modernização secularista sob tutela militar que viu abolido o sultanato em 1922, enquanto opções de índole salafista (radicais na pretensão de recriar pela força a teocracia maometana) têm vindo a fracassar do Afeganistão à Somália.

O critério da prática
Na área cultural muçulmana em disputa com correntes modernistas - influentes por exemplo no maior país de orientação islâmica, a Indonésia - e frente a confissões religiosas rivais, de xiitas a sufis, os islamitas sunitas distinguem-se pelas referências doutrinárias, mas, sobretudo, pela sua prática política.

A "xaria", lei islâmica, apresentada como matriz da organização das instituições e do enquadramento da economia, é um corpo doutrinário de tal maneira vago e ambíguo que permite as mais divergentes interpretações.

Outra vertente essencial ao islamismo político é a "identidade muçulmana" e a proclamação identitária tanto pode admitir a coexistência com berberes ou hindus, a imposição ou não de estatuto subordinado a comunidades judias ou cristãs, ou, ainda, assumir características assimilacionistas.

O reconhecimento pelo estado da prevalência de valores e práticas muçulmanas é, também, uma exigência incontornável dos islamitas na impossibilidade de fundirem numa única forma de poder a legitimidade religiosa que entendem como essência da ordem social.

Os traços ideológicos essenciais do islamismo político ganharam força em diversos contextos históricos e em função das circunstâncias e das resistências que enfrentam as referências doutrinárias podem justificar a conquista pela violência do poder do estado.

Do banho de sangue ao pragmatismo
No Iémen ou na Líbia a contestação de xiitas e tuaregues, as rivalidades tribais, a precariedade das estruturas do estado submetidas a interesses clânicos, excluem praticamente a possibilidade de competição e partilha pacífica do poder e os movimentos islamitas tendem a assumir maioritariamente cunho violento e exclusivista.

Na Síria aproxima-se a hora dos "Irmãos Muçulmanos" vingarem o massacre de Hama, em 1982, e a minoria alauíta (uma seita herética do Islão no poder em Damasco desde os anos 60) e seus aliados cristãos irão irremediavelmente sofrer às mãos da maioria sunita num conflito sangrento.

Na Tunísia, pelo contrário, o governo de coligação com secularistas liberais e conservadores liderado pelo islamita Hamadi Jebali tem condições para prosseguir uma política pragmática e moderada se não lhe falharem os mercados da União Europeia. A vitória islamita no maior país árabe irá mudar a forma como o islão político é visto da Mauritânia à Malásia, mas, muito mais do que vagas e contraditórias referências doutrinárias e ideológicas, será a actuação dos "Irmãos Muçulmanos" egípcios que irá determinar juízos, contestação, adesões e repúdio.




Jornal de Negócios
30 Novembro 2011

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=522703

Sem comentários:

Enviar um comentário