sexta-feira, 24 de agosto de 2012

As taras da nação





"Justiça: Nunca se inquietar."

Gustave Flaubert, "Dicionário das Ideias Feitas"

   As peripécias de instrumentalização de instituições do Estado para fins pessoais e empresariais e os jogos de influência entre agentes dos "media" e poderes fáticos são sintoma da degradação das instituições.

  A retórica dominante propagandeia o reforço da capacidade competitiva de Portugal, implicando o estado e a sociedade civil, mas constata-se uma quebra na qualidade média dos decisores políticos e dos quadros superiores da Administração Pública.

   O tacticismo e as lógicas de aparelho caracterizam as estruturas partidárias, detentoras de um quase monopólio da representação política, levando os militantes a estenderem à administração pública as redes de patrocínio e modos de actuação que propiciaram a sua promoção.

   Estes fenómenos, característicos de países onde claudica a força relativa de entidades independentes do estado, vão a par de débeis garantias de isenção, insuficiente remuneração e dúbias perspectivas de promoção por mérito profissional para a maior parte dos quadros da administração pública.

   O Estado acaba, simultaneamente, por se mostrar permissivo quanto à imposição dos interesses empresariais, grupais e corporativos mais fortes e no caso extremo da Justiça deficiências legislativas e carências institucionais criaram atrasos e enviesamentos na actividade judicial que resultarem em grave prejuízo para o bem público.

   Os abusos propiciados pela promiscuidade entre interesses particulares e poderes do estado e a incessante circulação de pessoas entre as duas áreas, no contexto dos equilíbrios partidários prevalecentes, assumiram novos contornos a partir das privatizações de 1989.

   A comunicação social e mais recentemente áreas de livre expressão na Internet tornaram-se arena privilegiada para dirimir disputas e promover interesses próprios que degradaram a imagem pública de muitas instituições.

   As últimas fugas de informação no Tribunal de Contas ou relativas a processos de investigação de fraude fiscal e evasão de capitais são um exemplo exacerbado destas tendências.

   As carências financeiras e a indefinição de modelos de negócio na comunicação social, degradando a isenção e qualidade dos órgãos de informação, favorecem a exploração do espaço mediático para propósitos ínvios.


                             Tão maus quantos os piores

   Uma sumária comparação entre casos mediáticos portugueses e equivalentes europeus demonstra a compatibilidade nacional com o pior da cena continental.

   Temos o caso BPN, mas, até agora, as falhas de supervisão lisboetas estão aquém, por exemplo, do "Bancopoli" em que o governador do Banco Central de Roma, Antonio Fazio, se demitiu em 2005 por favorecimento na compita entre um banco italiana e outro holandês pelo controlo do "Antonveneta" de Pádua.

   A sobrevalorização da eficácia da exposição mediática favorável gerou sucessivos confrontos políticos, partidários e empresariais, desde tentativas de controlo da TVI durante o governo de José Sócrates até à atitude do BES que, criticado em 2004 num artigo de opinião do "Expresso" sobre o seu papel na privatização da GALP, retaliou com um boicote publicitário à "Impresa".

   Ainda falta um pouco para escancararmos escândalos à imagem do "News of the World" da "News Corp." de Rupert Murdoch, mas, tendo em conta os vasos comunicantes entre "media", partidos e empresas estamos mal encaminhados.

   A permissividade ante actos anti-democráticos na Madeira alimentou, por seu turno, desmandos que redundaram numa situação em muitos aspectos similar à de regiões como a Córsega e a Sicília.


                                 Medíocres e funestos

   A subversão de serviços de informação assacada ao antigo director do SIED indicia, a julgar pelo "modus operandi" de operacionais e analistas que se vai conhecendo, uma extraordinária mediocridade profissional, padrões éticos deploráveis e ausência de supervisão num sector particularmente sensível.

   O grotesco do caso lembra à sua maneira os desvarios do suíço Albert Bachmann.

   O esforçado Albert ao assumir em 1976 a chefia dos serviços secretos militares de Berna lançou um alucinado esquema de defesa face à ameaça soviética, incluindo a compra em Cork, República da Irlanda, de propriedades para salvaguardar um governo no exílio e as reservas de ouro da Confederação Helvética.

   Bachmann, agindo à revelia das autoridades civis, acabou por ultrapassar o risco ao envolver-se na vigilância de manobras militares na Áustria e viu-se demitido ante escárnio público em 1979.

   Finou-se Bachmann em Cork faz um ano (dedicava-se ao imobiliário como seria de esperar) e o seu exemplo caricato de megalomania também não deve fazer esquecer derivas mais sinistras como as cumplicidades de altos responsáveis de serviços de informação italianos com as actividades da loja maçónica "Propaganda Due" de Licio Geli nos anos 70 e 80.

   O conflito entre a "Ongoing" e a "Impresa", que propiciou campanhas "ad hominem" inspiradas pela "opposition research" norte-americana, veio revelar alguns meandros da actuação de serviços de informação nacionais, cruzando-se com interesses privados diversos em África e no Brasil, que representam o pior das taras de Portugal.


Jornal de Negócios
31 Maio 2012

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