quinta-feira, 30 de agosto de 2012
O euro e a soberania perdida
Só a unificação fiscal permitirá a subsistência da zona euro e a eventual integração de políticas financeiras e económicas terá de fazer-se sob batuta alemã, eis a novíssima ortodoxia que tenta fazer caminho pela eurolândia no pico do Verão.
A partir do momento em que as crises orçamentais, de dívida soberana e de balança de pagamentos alastraram do trio insolvente grego, irlandês e português a economias de maior porte como a Espanha e Itália ganhou peso a ideia de que a unificação fiscal é inevitável.
Angela Merkel vai dando voz às objecções da maior parte da coligação democrata-cristã e liberal de Berlim e resiste às pressões para aceitar a emissão de obrigações europeias - tal como a maior parte das elites de outros estados com notação máxima de crédito, caso da Holanda ou da Finlândia -, mas não falta quem lhe prometa vender a alma a troco da fortuna alemã.
Vender a alma
O reforço dos 440 mil milhões de euros do "Fundo Europeu de Estabilidade Financeira" e, posteriormente, do "Mecanismo Europeu de Estabilidade", a instituir no Verão de 2013, é dado por adquirido desde o consenso alcançado entre os 17 em Julho, ainda que os montantes ao dispor desse alegado "FMI da Europa" estejam por definir.
Debates parlamentares tormentosos na Eslováquia, Holanda e Finlândia são de esperar até Outubro, mas, em princípio, haverá luz verde e o "Fundo Europeu de Estabilidade Financeira" irá intervir no mercado secundário de dívida soberana e financiar a recapitalização da banca.
A emissão de obrigações europeias, por sua vez, é uma forma de concretizar transferências financeiras a favor de países insolventes ou em risco de insolvência e tal alternativa conta com apoiantes do Luxemburgo à Itália, passando por estados exteriores ao euro como a Grã-Bretanha.
A dois anos de eleições legislativas social-democratas e ecologistas alemães começaram também por se declarar abertos a esta opção admitindo, no entanto, certas limitações.
O líder verde Cem Özdemir, por exemplo, defende, na linha de uma proposta aventada em Maio do ano passado pelo centro de estudos "Bruegel", que a emissão de dívida conjunta não ultrapasse os 60% do PIB do estado interessado na colocação de obrigações, ficando o remanescente à responsabilidade do país que por essa via aceda aos mercados.
De qualquer forma a opção pelas obrigações da eurolândia implica imediatamente uma ponderação de risco que ao favorecer países como Espanha ou Portugal reduz a actual notação de crédito dos seis estados com AAA: Alemanha, França, Holanda, Áustria, Finlândia e Luxemburgo.
O triplo AAA da França
O "Instituto para Pesquisa Económica" de Munique (IFO) estima em 2,3 pontos percentuais o aumento nas taxas de juros a pagar pela Alemanha nesta eventualidade e este cálculo presume que nenhum dos outros estados com notação máxima de crédito venha a perder tal estatuto.
No caso da França, que dificilmente conseguirá alcançar no final deste ano os previstos 2% de crescimento e um défice orçamental de 5,7%, eventuais cortes na despesa e aumentos da carga fiscal estão condicionados pela eleição presidencial da próxima Primavera e uma redução da notação de crédito teria efeitos muito negativos para toda a zona euro.
Uma degradação da notação de crédito de Paris, que se encontra actualmente numa fase de especulação depois da "Standard & Poor's" ter revisto o AAA dos Estados Unidos, levaria a que os demais estados com notação máxima vissem acrescidos os custos de emissão de dívida para níveis dificilmente aceitáveis para os seus contribuintes-eleitores.
A ordem normal das coisas
Euroobrigações, ou formas diversas de federalização da dívida de estados insolventes ou em risco de insolvência, implicam uniformização de políticas económicas e financeiras.
Uniformização obriga à instituição de poderes supra-governamentais de índole federalista para gerir políticas financeiras e económicas.
Partilha de soberania neste contexto implica aceitar a ortodoxia vigente em Berlim que, desde logo, ignora o envolvimento e risco assumido pela banca alemã no crédito malparado a estados insolventes como a Grécia, e deixa de lado o contexto histórico (Plano Marshal, escudo de defesa norte-americano, diminuta retribuição financeira nas indemnizações de guerra, acesso a mercados para exportação) que permitiu o "milagre económico".
A compra de dívida pública de estados insolventes por parte do "Banco Central Europeu" representa, noutra ponderação, um risco inflacionário e põe em causa o objectivo essencial de garante da estabilidade monetária definido faz 13 anos para a instituição de Frankfurt que, entretanto, acabou envolvida na compra de títulos tóxicos.
Na impossibilidade de, à maneira alemã, acumular excedentes nas balanças de pagamentos e comercial, menos ainda de incrementar a poupança, boa parte dos membros da zona euro teria de se remeter a perspectivas quase nulas ou negativas de crescimento a curto e médio prazo.
Um custo insustentável
A Alemanha e a França, os dois primeiros estados a violarem impunemente entre 2003 e 2007 o "Pacto de Estabilidade e Crescimento" em vigor desde 1997, já propuseram várias modalidades de aplicação de sanções a países com défices orçamentais excessivos e, governados à direita ou à esquerda, irão voltar à carga argumentando com a necessidade de uniformização de políticas passíveis de serem parcialmente alargadas a todos os membros da União Europeia.
A encenação face à crise - a união fiscal ou o abismo - é credível na medida em que o colapso do euro seria catastrófico, mas ignora custos políticos igualmente insustentáveis.
A federalização do poder decisório é uma consequência da instituição de mecanismos fiscais de transferências financeiras numa união monetária.
De momento não existe qualquer sinal de que os eleitorados dos países da eurozona estejam dispostos a abdicar de uma componente essencial das respectivas soberanias nacionais.
Jornal de Negócios
17 Agosto 2011
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Etiquetas:
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