sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Dilma e o rodízio de ministros


Importa à democracia brasileira pôr termo à corrupção, indicaram como principal preocupação quanto ao regime político 58 por cento dos inquiridos numa sondagem divulgada no final de Outubro pelo "Latino barómetro" sobre atitudes políticas na América Latina.

A taxa de aprovação do governo de Dilma Rousseff é de 67%, comparada com os 86% registados no final do mandato de Lula da Silva, mas em diversos inquéritos tal como no estudo da instituição não-governamental de Santiago do Chile, a corrupção institucional e empresarial surge sistematicamente identificada como pecha maior do Brasil.

As elites políticas brasileiras, contudo, não deixam passar um dia que seja sem lançar mais achas para a fogueira e a sexta demissão ministerial na semana passada, fechando dez meses da presidência de Dilma, representa um caso exemplar.

Corrupto ou coisa que lhe valha
Ao finar-se Outubro Dilma acedeu à demissão do responsável pelo Desporto Orlando Silva, fustigado por acusações de corrupção e herdado do último governo de Lula da Silva tal como os demais cinco ministros anteriormente defenestrados.

Sucedeu-lhe outro homem do "Partido Comunista do Brasil", Aldo Rebelo, graças a negociação mediada por Lula numa das suas últimas iniciativas antes do início do tratamento a um cancro na laringe que limitará a sua capacidade de intervenção, nomeadamente na campanha de eleições municipais de 2012.

O antigo chefe de estado acertou com Dilma uma "demissão suave" e a manutenção de um líder comunista na pasta para salvaguardar o governador do Distrito Federal de Brasília, Agnelo Queiroz, do "Partido dos Trabalhadores", alvo demasiado exposto no tiroteio de denúncias públicas que os comunistas insinuaram puder vir a desencadear.

O ex-titular do Desporto, pasta excepcionalmente importante por via das empreitadas do Mundial de Futebol de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, tal como outros ministros caídos em desgraça é suspeito de desvio de dinheiros públicos em proveito próprio e para financiamento do seu partido.

O titular da Defesa Nelson Jobim foi a excepção a este padrão recorrente ao ter sido demitido em Agosto por enxovalhar publicamente a presidente e outras ministras.

Uma presidente fraca
As acusações de corrupção que estiveram na origem das sucessivas demissões, iniciadas em Junho com a queda de Antonio Palocci, ministro da Casa Civil, coordenador da acção governamental e supervisor da legalidade dos actos da administração federal, vêm na sequência de práticas apuradas durante a presidência de Lula.

Dilma, por sinal, fora ministra da Casa Civil de Lula da Silva, sucedendo a José Dirceu, vitimado em 2005 por clamoroso abuso de funções, e ao candidatar-se à presidência em 2010 cedeu o cargo em Abril à sua colaboradora mais próxima, Erenice Guerra, obrigada a demitir-se em Setembro pelos "motivos do costume".

A "faxina" de Dilma e seu rodízio de ministros responde a denúncias veiculadas pelos media, é constrangida pelos interesses pessoais de Lula, do seu partido e de aliados poderosos, como o "Partido do Movimento Democrático Brasileiro" do vice-presidente Michel Temer, e pouco abona a favor de uma presidente alegadamente surpreendida pelos abusos.

A corrupção ao mais alto nível por parte de dirigentes do "Partido dos Trabalhadores" e de outros partidos da coligação governamental tornou-se num elemento fundamental para sustento de clientelas políticas.

O vício e o Mensalão
A governação de Lula, ao trazer para a esfera do poder grupos tradicionalmente excluídos dos centros de decisão, alargou a viciação do sistema e o "Mensalão", a canalização de fundos ilícitos por parte do "Partido dos Trabalhadores" para compra de votos no Congresso Nacional, ficou como caso paradigmático dos esquemas de patrocínio típicos da governação brasileira.

A pulverização partidária no Congresso, que obriga actualmente Dilma à gestão de equilíbrios entre mais de uma dezena de partidos para garantir maiorias na Câmara de Deputados onde estão representadas 21 agremiações políticas, contribui fortemente para as práticas arreigadas de troca de favores.

De resto, o cunho pouco vincado das opções ideológicas da maior parte dos partidos políticos partidário transforma frequentemente as associações partidárias em meras forças de pressão dos interesses mais díspares.

Todo o aparelho de estado está minado pelo regime de patrocínio político e não por acaso três presidentes de Tribunais de Contas estaduais foram obrigados a demitir-se este ano por suspeita de irregularidades.

A Polícia Federal investiga, presentemente, as chefias de sete Tribunais de Contas entre os 26 estados da república federativa e, consequentemente, é crível que a percepção da corrupção tenda a piorar.

Uma reputação medíocre
No índice da "Transparency International" de 2010 o Brasil ficou em 69º lugar entre 178 estados depois de no ano anterior ter sido classificado na 75ª posição e não dá mostras de conseguir vir a escapar a este destaque medíocre.

A adopção no ano passado da lei de iniciativa popular "ficha limpa", interditando por 8 anos candidaturas políticas de pessoas condenadas por crimes graves, e a omnipresença nos estudos de opinião de registos de preocupação com actos de corrupção, particularmente entre as classes médias mais escolarizadas, podem vir, no entanto, a indiciar alguma futura mudança de atitudes.

Para já reina ainda muita complacência e desaforo que fazem eco de uma arreigada tradição que teve no paulista Ademar de Barros um dos seus expoentes.

Dos anos 30 até à ditadura militar pôr termo à sua carreira política em 1966, Ademar vicejou de escândalo em escândalo sob o lema "rouba, mas faz!".

Uma apreciação muito negativa da corrupção num Brasil que reclama actualmente o título de sétima economia mundial em nada contribuirá para maior desenvolvimento e correcção de desigualdades sociais.




Jornal de Negócios
02 Novembro 2011

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