sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Lula: o imoralista pisou o risco





   Uma pipa de massa condenou Lula à segunda volta.

   As fotografias que a polícia divulgou no fim-de-semana dos maços de notas, os 800 mil dólares com que responsáveis da campanha de Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT) tentavam comprar documentos alegadamente comprometedores de líderes do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), custaram caro ao presidente.

   A soberba de Lula ao recusar comparecer no derradeiro debate na TV Globo tinha sido já uma jogada arriscada para evitar o confronto com o último escândalo petista e revelou-se igualmente decisiva no impulso que deu à candidatura de Geraldo Alckmin.

   Até à votação de dia 29 as hipóteses de reeleição de Lula estão cativas de eventuais revelações sobre o "escândalo do dossier" em investigação pelo Tribunal Superior Eleitoral que, no cenário mais gravoso, pode inclusivamente obrigar à anulação da candidatura e consequente determinação de inelegibilidade por três anos.

   A possibilidade de abertura de um processo de impugnação no Congresso, caso Lula seja reeleito, é igualmente de considerar se a investigação provar que os responsáveis do PT cometeram crime de abuso de poder económico ou político para fins eleitorais e uso de dinheiro ilícito para compra de documentos.

                                            O peso da moral

   A moral na política e o seu contrário jogaram desta feita um papel decisivo na desafectação das classes médias dos estados mais urbanizados e desenvolvidos que há quatro anos aceitaram o "Lulinha Paz e Amor" da campanha concebida pelo publicitário Duda Mendonça.

   O cadastro do PT era de um "óbvio ululante", para relembrar a frase cunhada pelo jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, e desde os escândalos que a partir de Maio de 2005 passaram a manchar o léxico político - "mensalão", "valerioduto", "sanguessugas" - escapou a Lula que com mais um passo em falso de nada valeriam as tiradas gastas de quem se compraz em comparar-se a Cristo e Tiradentes, repetidamente traído e enganado por gente de mau porte.

   Os escândalos arruinaram as carreiras de políticos fora da esfera governamental como Valdemar Neto, do Partido Liberal (mas que conseguiu ser eleito em São Paulo depois de pedir "uma segunda chance", tal como o inevitável Paulo Maluf), Severino Cavalcanti, do Partido Progressista, Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro e Eduardo Azeredo, do PSDB.

   No grande rol de cabeças cortadas sobressaem, contudo, os ilustres petistas Sílvio Pereira, Delúbio Soares, José Genoino, José Dirceu e Antonio Palocci (eleito domingo deputado na lista do PT em São Paulo). O presidente do PT, Ricardo Berzoini, entretanto afastado da direcção da campanha de Lula, está agora em vias de defenestramento devido às acusações do "escândalo do dossier".
 
   A votação de 1 de Outubro revelou sinais ainda assim contraditórios sobre a reacção do eleitorado face aos escândalos.

   O "escândalo dos sanguessugas", como ficou conhecida a compra sobrefacturada de ambulâncias por municípios com a intermediação de parlamentares que rebentou em Maio, frustrou a reeleição de 56 deputados e senadores sob investigação. Apenas oito parlamentares sanguessugas conseguiram fazer-se reeleger e nenhum deles nos estados relevantes de São Paulo e Rio de Janeiro.

   Já no caso mais remoto do "mensalão", a compra de votos parlamentares por parte do PT, revelado na sequência da denúncia de esquemas de financiamento ilícito - escândalo dos Bingos, em 2004, e dos Correios, no ano seguinte, além da corrupção na câmara de Santo André, São Paulo, que levou ao assassínio em Janeiro de 2002, do presidente da câmara Celso Daniel, do PT, e, posteriormente, à morte não esclarecida de sete testemunhas - os eleitores foram mais complacentes. Sete dos doze candidatos acusados de envolvimento no "mensalão" conseguiram reeleger-se para a Câmara dos Deputados.

   Em Alagoas, finalmente, Fernando Collor de Melo, que renunciou à Presidência em 1992 para evitar a destituição por actos de corrupção, mas a quem o Senado suspendeu os direitos políticos até 2000, foi eleito para o Senado.

   Lula admitiu segunda-feira, na sua primeira conferência de imprensa em quatro anos, que Collor de Melo pode vir a fazer "um trabalho excepcional no Senado", enquanto o ex-presidente retribui, afirmando que o candidato que derrotou em 1989 é quem "mais compreende a alma nacional".

   Os quase quarenta milhões de votos conseguidos por Alckmin (41,64% dos votos válidos) revelam, no entanto, que parte do eleitorado, sobretudo nos estados mais desenvolvidos, foi sensível aos argumentos sobre moralidade política que o candidato, aliás, só realçou na etapa final da campanha.

   O tucano venceu em onze dos 27 estados -- Acre, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo -, com bons resultados no Sul (54%) e no Centro Oeste (51%).

   Nos estados do Sudeste Alckmin ganhou por apenas 45% contra 43% para Lula que arrebatou sem dificuldade o Nordeste (66%) e o Norte (56%).

                                           Lula em vantagem

   Depois de ter obtido mais de 46 milhões de votos (48,61%) Lula parte para a segunda volta em clara vantagem. O presidente pode, em princípio, contar com boa parte dos seis milhões e meio de votos da esquerdista Heloísa Helena, enquanto Alckmin, por sua vez, talvez cative os dois milhões e meio de eleitores que apoiaram o dissidente do PT Cristovam Buarque.

   Ao homem do "povão", o que é dizer muito num país onde metade da população subsiste com menos de 2 euros por dia, basta, portanto, segurar o seu eleitorado que, cativado pelo programa "Bolsa Família" - que beneficia directamente 44 milhões de pessoas - o aumento do salário mínimo ou a baixa inflação, revela ser pouco sensível às questões do défice da Segurança Social, às taxas de juro a 11% e ao ritmo lento de desenvolvimento económico.

   Lula, no entanto, não pode menosprezar os custos que a política fiscal apresenta para as classes médias que têm visto os seus rendimentos estagnarem nos últimos dois anos ou para grupos significativos dos sectores agrícola e pecuário, como mostrou a reacção negativa ao PT nos estados do Centro Oeste.

   A vantagem em termos de superação de expectativas com que parte Alckmin é insuficiente para alargar a sua base eleitoral, apesar de parceiros-rivais como José Serra, eleito governador de São Paulo se mobilizarem agora em seu apoio, a não ser que novos dados sobre responsabilidades do PT no "escândalo do dossier" ampliem à esquerda a desilusão para com Lula.

   As reformas políticas - financiamento público dos partidos, penalização de mudanças de filiação partidária no Congresso, duração do mandato presidencial -, bem como a revisão da repartição das verbas federais atribuídas aos estados, além da articulação das responsabilidades judiciárias e de segurança entre o governo central, os executivos estaduais e municipais dificilmente serão consensualizadas por iniciativa do próximo presidente.

   O peso do caótico Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) na Câmara dos Deputados (onde conta como 89 mandatos, seguido do PT com 83, do PSDB e do PFL, ambos com 65 representantes) e a repartição de forças no Senado (18 mandatos o PFL, 15 para PMDB e PSDB e 11 para o PT) indiciam que nas duas instâncias legislativas irão continuar a predominar as manobras de ocasião, impedindo a formação de maiores coerentes e privilegiando interesses sectoriais e pessoais.

   Se Lula conseguir evitar que a bomba do "escândalo do dossier" rebente nas suas mãos em plena campanha será um presidente com legitimidade comprometida, sem sucessor à vista e com um partido em sobressalto.

   Péssimo prenúncio para o prometido "grande pacto nacional" e para a "profunda reforma política e orçamental" prometida nos idos de Setembro. À espera terá os dois candidatos à sucessão de Alckmin, os governadores Aécio Neves, Minas Gerais, e José Serra, São Paulo, que tudo farão para afundar uma presidência que se perde na imoralidade.


Jornal de Negócios
06 Outubro 2006

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