sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A China está muito longe

À tendência depressiva norte-americana e à persistente crise da eurozona acaba de se juntar o anúncio em Pequim de uns quantos indicadores económicos que obrigam a China a reorientar as suas prioridades.

A taxa de inflação em Julho subiu 6,5% em relação ao mês homólogo de 2010, o maior aumento em três anos, segundo dados oficiais divulgados terça-feira.

Mesmo antevendo uma baixa nos preços do petróleo e quebra das exportações, por diminuição da procura nos mercados do euro e nos Estados Unidos, Pequim terá de tomar especial cuidado para conseguir cumprir no final de 2011 o objectivo de conter a taxa de inflação em 5%, tido como tecto razoável para limitar a contestação laboral e social.

Bolhas e inchaços O investimento imobiliário, entretanto, aumentou 33,6% nos primeiros sete meses de 2011 em relação ao período homólogo do ano anterior e o montante das vendas do sector registou um acréscimo de 26,1%.

Nos maiores mercados, caso de Xangai ou Pequim, a oferta é, contudo, dez vezes maior do que a procura e os efeitos da previsível quebra de preços estão ainda por avaliar.

A dívida dos governos provinciais e das câmaras agravou-se com o pacote de 4 triliões de yuan para relançamento económico promovido por Pequim em Novembro de 2008 e ronda, por seu turno, 10,7 triliões de yuan, perto de 27% do PIB.

Quanto desta dívida terá de ser absorvida como crédito mal-parado pelo governo central é uma incógnita, mas uma retracção desses investimentos, orientados sobretudo para infraestruturas em zonas rurais, habitação social e transportes, não contribuiria para aumentar o consumo interno.

A referência política para este dilema passa pelo plano quinquenal 2011-2015, aprovado em Março, que visa um crescimento económico de 7%, ainda que as estimativas sejam pouco credíveis.

No quinquénio anterior o alvo cifrara-se em 7,5%, mas o crescimento económico acabou por atingir os 11,1% e este ano é provável que o PIB chinês aumente cerca de 9%, superando ainda as piores expectativas quanto a degradação ambiental e agravamento de desigualdades sociais.

Sem consumo que se veja Uma retracção dos mercados de exportações na Europa e nos Estados Unidos acentua a necessidade de Pequim incrementar o consumo interno que caiu de 45% do PIB para 35% na última década.

A medíocre rede pública de saúde e frustes sistemas de assistência e segurança sociais limitam, no entanto, a expansão do mercado interno chinês, impondo elevadas taxas de aforro que rondam 30% do rendimento das famílias.

Estímulos monetários ou fiscais para aumentar o crescimento são sempre ponderados pelos dirigentes chineses face ao risco de pressões inflacionárias e Pequim opta tendencialmente por conter o perigo de destabilização social e política que possam representar aumentos de preços.

Um yuan baratinho Idêntica lógica constrange a liderança chinesa na sua estratégia de convertibilidade e internacionalização do yuan e redução do peso do dólar como moeda de reserva internacional.
A moeda chinesa continua subvalorizada em relação ao euro e ao dólar.

Pequim abandonou em Julho de 2005 a taxa de câmbio fixa em relação ao dólar, mas manteve uma estratégia mercantilista que redundou em crescentes excedentes comerciais.

A contrapartida saldou-se no investimento em títulos de dívida norte-americana que corresponde presentemente a dois terços dos 3,2 triliões de dólares acumulados por Pequim.

O câmbio diário dólar-yuan no mercado interbancário varia numa banda de 0,5% em relação à paridade definida pelo banco central de Pequim, determinada pela oferta e procura e em função de um pacote de divisas de referência que incorpora a moeda norte-americana, o euro, o iene e o won coreano, além de, em menor proporção, a libra, o baht, o rublo e os dólares canadiano, australiano e de Singapura.

Manter o controlo sobre o yuan é um imperativo político para a oligarquia comunista de Pequim e a degradação da credibilidade política e notação de risco de Washington levanta alguns problemas presentemente insolúveis.

Presos ao dólar e ao mercantilismo
No final de Maio Pequim detinha 1,16 triliões de dólares em dívida dos Estados Unidos, apesar de ter aumentado o lote de investimentos em euros.

"Caijing", "Revista de Economia e Finanças", uma das principais publicações especializadas de Pequim ao analisar recentemente o isco do dólar fazia capa com uma China irremediavelmente presa no anzol de Washington.

A revista referia, no entanto, as estimativas do "Standard Chartered Bank" segundos as quais a China teria diversificado entre Janeiro e Abril as suas apliações investindo em títulos denominados em euros ou em obrigações da Coreia do Sul.

O euro representaria assim pouco menos de um terço dos investimentos chineses, mas a prevalência do dólar estaria fora de discussão na falta de alternativas para aplicações em larga escala.

Por parte da China restam, pois, poucas opções.

Pequim dificilmente conseguirá estimular o mercado interno para manter as actuais taxas de crescimento económico sem arriscar uma inflação politicamente perniciosa.

Abandonar o controlo cambial do yuan implicaria perda maçica de empregos e o primeiro-ministro Wen Jiabao rejeitou publicamente tal opção.

Do lado da China, nem europeus, nem norte-americanos podem contar com grandes estímulos para obviar às suas crises.


Jornal de Negócios
10 Agosto 2011

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