O regime de Pequim terá de tomar uma iniciativa para acelerar a democratização da cidade mais opulenta e livre da China, cujos 6,9 milhões de habitantes manifestam sistematicamente em todas as sondagens, desde os anos oitenta, o desejo de livre escolha do
A antiga colónia britânica de Hong Kong tomou o gosto às grandes manifestações de rua quando, em 1989, mais de um milhão de pessoas marcharam em protesto contra a repressão militar na Praça de Tiannamen, e, desde então, a mobilização popular é um recurso constante para pressionar o governo local e, sobretudo, levar Pequim, a conceder maior autonomia política à Região Administrativa Especial.
Em Julho de 2003 mais de meio milhão de manifestantes saíram às ruas opondo-se a uma proposta do governo de lei anti-subversão restritiva das liberdades civis e as manifestações, mais uma vez ordeiras, no ano seguinte contribuíram para a demissão do falhado chefe do executivo, o magnata Tung Chee-hwa, manchado pela sua submissão a Pequim, o fracasso no combate a epidemia do SARS e pela incapacidade em obviar aos efeitos gravosos da crise financeira asiática e da queda das receitas do mercado imobiliário.
O seu sucessor, Donald Tsang, um dos mais distintos altos funcionários da administração britânica e responsável pelas finanças no pós-1997, confronta-se, agora, também, com a contestação.
Nove meses depois de Tsang assumir a chefia do governo, mais de 80 mil pessoas, incluindo a antiga número dois do executivo, Anson Chan, convergiram para o centro da cidade a 4 de Dezembro, exigindo sufrágio universal e eleições directas.
O impasse gira em torna da proposta de reforma do sistema político que será votada pelo Conselho Legislativo a 21 deste mês.
Presentemente, o colégio eleitoral que escolhe o chefe do executivo é composto por 800 membros sujeitos à caução de Pequim e Tsang propõe duplicar o número destes eleitores.
A eleição directa do chefe do executivo, em 2007, está excluída.
O actual Conselho Legislativo, cujo mandato expira em 2008, tem, por sua vez, 60 deputados, metade dos quais eleitos por sufrágio universal.
Tsang aventa aumentar para 35 o número de deputados escolhidos por voto directo universal dentro de três anos.
Seria, também, aberta à eleição directa a escolha de 400 dos 529 membros dos conselhos distritais, responsáveis pela administração de serviços básicos e obras públicas.
Para ser aprovada a proposta necessita de obter uma maioria de dois terços no Conselho Legislativo e os 25 deputados democratas, conforme a terminologia adoptada em Hong Kong, opõem-se terminantemente às alterações tidas por insuficientes para assegurar a livre escolha dos eleitores.
Depois da manifestação de 4 de Dezembro, a primeira a contestar abertamente Donald Tsang, o primeiro-ministro chinês fez uma declaração inesperada apoiando as propostas do executivo de Hong Kong e considerando-as um passo no sentido da «futura implementação do sufrágio universal».
Pequim, que assumiu em 2004 o direito de veto sobre eventuais reformas do sistema político, anunciara, em Abril, que as eleições para chefe do conselho executivo e para o Conselho legislativo não seriam por sufrágio universal.
A Lei Básica, a constituição em vigor desde 1997, que assegura um «elevado grau de autonomia» e a preservação do sistema capitalista até 2047, refere apenas que a adopção do sufrágio universal em Hong Kong é o «desiderato final».
Alterações à Lei Básica obrigam ao assentimento da Assembleia Nacional Popular da China e Pequim, além de se arrogar o «direito de interpretação» da Constituição, exclui a apresentação de propostas nesse sentido por parte dos órgãos legislativo e executivo de Hong Kong.
O fracasso de Tsang em fazer aprovar a sua proposta ameaça retirar-lhe legitimidade e lançar Hong Kong num impasse político, tanto mais que a oposição pró-democracia, ciente das objecções de Pequim, tão pouco tem possibilidade de impor o princípio do sufrágio directo, mas não desiste de conseguir um compromisso formal quanto ao calendário de introdução da escolha universal dos órgãos executivo e legislativo.
O regime de Pequim terá, assim, de tomar uma iniciativa para acelerar a democratização da cidade mais opulenta e livre da China, cujos 6,9 milhões de habitantes manifestam sistematicamente em todas as sondagens, desde os anos oitenta, o desejo de livre escolha dos representantes políticos.
A grande e vexatória questão para o regime comunista tem a ver com a impossibilidade de fazer concessões que possam sugerir estar a ceder a manifestações de rua e a protestos orquestrados por deputados no Conselho Legislativo de Hong Kong.
A crescente instabilidade social, patente na repressão dos protestos da semana passada na aldeia Dongzhou, na província de Guangdong, onde se situa Hong Kong, é vista pelos dirigentes comunistas como razão maior para não adoptar iniciativas que possam ser entendidas como cedências políticas.
A vizinha Macau, próspera na monocultura do jogo, é muitas vezes apontada em vão por Pequim como um exemplo de estabilidade possível numa democracia mitigada.
Só que as exigências de Hong Kong revelam-se intratáveis e num ambiente de impasse político será difícil à Região Administrativa Especial adoptar estratégias minimamente consensuais para se afirmar como um centro de serviços, sobretudo na área legal, financeira e de logística.
Apesar dos riscos, ceder em Hong Kong, do ponto de vista dos comunistas de Pequim, seria alimentar aspirações à autonomia em Xangai ou em províncias como Zhejiang e atiçar as tentações independentistas em Taiwan.
Portanto, a democracia pode esperar.
Jornal de Negócios
14 Dezembro 2005
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