quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Uns cêntimos de soberania

  

  Adiar a reestruturação da dívida de Atenas para obviar a perdas de credores privados e bancos centrais, evitar a falência da maior parte da banca grega e a descredibilização do euro tem sido a opção seguida pela União Europeia e o Banco Central Europeu, com aval do FMI, mas esta estratégia não resolve os problemas de solvência do país.

   As soluções de recurso para novos financiamentos de emergência à Grécia na ordem dos 60 mil milhões de euros para os próximos dois anos por parte de Bruxelas e do FMI levantam, entretanto, sérios problemas quanto aos direitos soberanos dos estados da UE.

   O governo de George Papandreou apresentou como contrapartida à continuação e aumento da ajuda externa a obtenção nos próximos quatro anos de cerca de 50 mil milhões de euros em privatizações, além de cortes orçamentais e receitas fiscais adicionais de 6 mil milhões de euros no final deste ano e de outros 22 mil milhões de euros até 2015.

Sem consenso, nem mandato

   As oposições à direita e esquerda dos socialistas recusaram, por sua vez, apoiar tal compromisso que, segundo o governo, permitiria reduzir o défice orçamental (10,5% do PIB em 2010) para 7,5% este ano.

   Para os conservadores da "Nova Democracia", comunistas e frentes radicais de extrema-esquerda e extrema-direita representadas no parlamento as propostas de Papandreou acentuarão a recessão e ultrapassam o mandato da actual maioria que expira no Outono de 2013.

   O impasse político e avaliações negativas do cumprimento dos termos do acordo que disponibilizou 110 mil milhões de euros em Maio de 2010 obrigaram, por seu turno, o FMI a admitir bloquear a sua contribuição para a prestação de 12 mil milhões de euros programada para o final de Junho.

   Um compromisso quanto a novos planos de empréstimo tornou-se assim inevitável e a participação de representantes dos credores numa agência de tutela do processo de privatizações surge como questão central.

   Incorrecções e omissões no cadastro de bens imóveis a alienar foram um dos primeiros argumentos aventados para a criação de uma agência de privatização com representantes estrangeiros na gerência e supervisão técnica, mas, na realidade, as reticências quanto à idoneidade dos agentes do estado grego sobrelevam todas as demais preocupações.

   O direito de veto destes representantes estrangeiros obriga a uma autorização do parlamento de Atenas, onde o PASOK tem uma maioria de seis deputados, que reconheça a restrição dos direitos do estado soberano grego.

   As estimativas do BCE, UE e FMI quanto aos bens móveis e imóveis propriedade do estado grego passíveis de eventual privatização não são ainda públicas, mas poderão oscilar entre 300 mil a 500 mil milhões de euros, de acordo com fugas de informação diversas.

   Reservar a totalidade ou parte dos activos alvo de privatização como garantia a credores (privados, institucionais e bancos centrais) é matéria já em discussão.

À espera de um estoiro

   A urgência na obtenção de financiamentos, falhado o objectivo de retorno da Grécia aos mercados financeiros em 2012, é, no entanto, apenas mais um momento numa crise de dívida soberana em que sucessivos resgates confirmaram ser politicamente impossível proceder a transferências a fundo perdido para Atenas.

   Admitir cortes no montante da dívida (ronda presentemente os 327 mil milhões de euros e, segundo a "Comissão Europeia", atingirá 158% do PIB este ano) é anátema para o BCE e opção com potencial efeito de contágio letal para países como Portugal ou a Espanha.

   A Grécia sofreu uma contracção do PIB de 4,5% em 2010 e não alimenta expectativas de crescimento que permitam reduzir a dívida.

   A insolvência de Atenas é crível, provável e agravada pela ausência de consensos políticos e sociais no país.

   Os maiores credores entre a banca alemã - presentemente com uma exposição à dívida grega de 19 mil milhões de euros - e francesa (na posse de 15 mil milhões em títulos helénicos) terão de se preparar para assumir perdas.
  Manter na eurozona um estado que ameaça declarar bancarrota tornou-se um desafio imediato de equilibrismo político e financeiro.

Direitos em causa

   A perda temporária de direitos soberanos por parte de estados endividados não é novidade, mas no caso da UE estas cedências surgem no âmbito de discussões inconclusivas sobre unificação de política económica e financeira essencial à sustentabilidade do euro.

   As condições de acesso a partir de 2013 ao "Mecanismo Europeu de Estabilidade" ainda não estão claramente definidas apesar do compromisso entre Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, em Outubro do ano passado, que excluiu a imposição automática de sanções a estados com défices orçamentais acima dos 3% do PIB.

   Os chefes de estado e governo dos 27 acordaram, então, que a suspensão do direito de voto a países "em violação grave dos princípios base da União Económica e Monetária" fosse prerrogativa do "Conselho Europeu", sob proposta da "Comissão", no caso de não ocorrer a oposição de uma maioria qualificada.

   Tal compromisso aguarda definição legal, mas a insolvência grega, as dificuldades com o resgate da Irlanda e o eventual incumprimento de alguns dos objectivos definidos para Portugal, acentuam tendências para transferência de poderes para a esfera executiva na UE à custa dos parlamentos nacionais e do "Parlamento Europeu".

Jornal de Negócios
01 Junho 2011

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