sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Cuba: o dinossauro ainda estava lá


Raúl Castro substitui Fidel na liderança do Partido Comunista


    O inovidável microconto de Augusto Monterroso foi publicado no longínquo ano de 1959 e não aprazaria ao escritor guatemalteco evocá-lo como uma metáfora para o destino do regime do seu admirado Fidel, mas, ainda assim, é este o estado das coisas em Cuba.

   A questão fundamental para tentar compreender as possibilidades de sobrevivência do castrismo à morte de Fidel passa por ter em linha de conta que o regime definiu uma estratégia de transição à imagem dos exemplos dos comunistas da China e do Vietname.

   Tal como Deng Xiaoping promoveu no final da década de oitenta a «quarta geração» de líderes do Partido Comunista chinês, Fidel deu força nos últimos anos a um núcleo duro de dirigentes capaz de assegurar a perenidade do regime.

   No mês passado foi reinstituído o Secretariado do Comité Central, suprimido em 1991, com doze titulares, oito dos quais da geração pós-revolução de 1959.

   Em plena campanha da «Batalha das Ideias», visando enquadrar os sectores que escaparam ao controlo directo do partido-estado na sequência das medidas de emergência do «Período Especial» que se seguiu ao colapso do bloco soviético, o novo Directório Político tem por missão assegurar a transição e impor a disciplina do recente modelo de «recentralização» da economia.

                                            O recurso do método

   Aos 75 anos cumpre a Raúl Castro liderar a transição, tutelando o Partido, o Conselho de Estado e as Forças Armadas, enquanto outros veteranos septuagenários como José Machado Ventura e José Ramon Balaguer zelam pela organização partidária e a frente ideológica.

   Carlos Lage, de 54 anos, encarregue dos assuntos económicos desde os anos noventa, assumiu, de facto a gestão governamental, coadjuvado pelo sexagenário Francisco Soberón, presidente do Banco Central.

   Abelardo Ibarra, de 56 anos, assegura o Ministério do Interior, enquanto o chefe do estado-maior do exército, Alvaro López Miera, de 62 anos, é apresentado como possível sucessor de Raúl Castro no Ministério da Defesa.

   Felipe Pérez Roque, 41 anos, antigo secretário pessoal de Fidel, dirige a diplomacia, mas o presidente da Assembleia Nacional, Ricardo Alarcón de Quesada, nascido em 1937, guarda poderes sobretudo no tópico fulcral das relações com os Estados Unidos.

   Sem excluir conflitos como os que em 1989 levaram aos fuzilamentos, entre acusações de implicações no tráfico de droga, do general Arnaldo Ochoa, o mais distinto general das missões internacionalistas em África, e de três outros altos responsáveis dos serviços especiais do Ministério do Interior e das Forças Armadas, ou às defenestrações de altos dirigentes como Carlos Aldana, em 1993, ou, ainda este ano, de Juan Agramonte por tráfico de influências e actos de corrupção, o actual núcleo duro resulta de um consenso mínimo sobre os termos da transição.

   Reforço do papel dirigente e administrativo do Partido Comunista em conjunção com as Forças Armadas e do dirigismo estatal na economia, a propalada «recentralização», são os fulcros do projecto de transição para o pós-fidelismo.

   Todo o regime gravita em torno da figura de Fidel e precisamente por isso a Constituição, aprovada em Fevereiro de 1976 e revista em 1992, estatui, sob a égide do Partido Comunista, «força dirigente superior da sociedade e do Estado», no seu artigo 74º, um regime presidencialista que dificilmente sobreviverá na prática ao «facto biológico» da morte do Comandante em Chefe.

   Desde a morte de Stalin, a direcção colectiva é a via tradicional dos regimes comunistas para gerir o post mortem dos líderes históricos, mas tal recurso nunca escapou até agora, excepção feita ao muito especial caso dinástico da Coreia do Norte, às turbulências que obrigam à emergência de um chefe reconhecido como primeiro entre iguais.

   Raúl Castro, por mera questão de idade, é apenas o Tchernienko de Fidel se, por ironias do destino, o irmão mais velho não vier a sobreviver-lhe, e o que conta a partir de agora é a forma como o Directório irá gerir a ausência do líder histórico.

   Washington e Miami, sem capacidade de iniciativa política, guardam-se, de facto, para o que vier ou houver.

                                          Por conta d’outrem

   Uma vez mais, passada a tutela soviética, Cuba subsiste por conta d`outrem.

   Ultrapassada a crise quase fatal de 1989/1993, em que a economia sofreu uma contracção na ordem dos 35 por cento do PIB, findos os subsídios soviéticos, o regime conseguiu estabilizar a situação e passou a depender das transferências da Venezuela de Hugo Chávez.

   Ao petróleo que vinha de Baku sucederam os 100 mil barris de crude/dia oriundos da Venezuela. A troco dos cerca de 30 mil trabalhadores cubanos do sector da saúde e de assistência social activos na Venezuela, Chávez avança com financiamentos que, no último ano, terão atingido os 2 mil milhões de dólares.

    É a aliança estratégica fulcral; o seguro de vida da fase final do castrismo.

   Quanto ao mais, passada a relevância das exportações de açúcar, cabe ao turismo, às remessas de expatriados e foragidos e à alta dos preços do níquel, sustentarem a economia da ilha, enquanto não se concretizam as esperanças de retorno de potenciais investimentos estrangeiros nas reservas off shore de petróleo e gás natural.

   Considerando os dados de base de uma economia cujo PIB rondará os 18 mil milhões de dólares, traduzido numa rendimento per capita entre os 150 a 200 dólares/ano, resistir é indubitavelmente a palavra de ordem por mais que a recente estabilização se concretize num crescimento na ordem dos 8 por cento ao ano, num contexto em que um dos elementos mais gravosos é a depauperação do sector agrícola, apesar de algumas melhorias nas produções hortícolas e frutícolas.

   O grosso da actividade económica, incluindo 90 por cento das exportações e 60 por cento das receitas do turismo, está por conta de empresas controladas pelo Ministério da Defesa e as Forças Armadas são, a par da rede de enquadramento político controlada pelo Partido Comunista, o baluarte do regime.

   As probabilidades de democratização são reduzidas a curto prazo, mas a alienação generalizada face aos rituais participatórios do fidelismo não auguram grande futuro para a capacidade de coesão do regime.

                                      O facto biológico

   Como em tudo na vida numa ilha de grandiosa tradição artística e imensa disputa política, que, como reza o dixote habanero, perde seu tempo num conceito altamente filosófico de socialismo que é mera perda de tempo entre o capitalismo de antanho e a futura barbárie do lucro, na Cuba de Fidel que assoberbou grandes literatos, do exilado Cabrera Infante aos coniventes Alejo Carpentier e García Marquéz, tudo acabará, inevitavelmente, conforme as linhas do «Nulla Dies Sine Linea», gravadas por Augusto Monterroso: «Envelheço mal - disse; e morreu».


Jornal de Negócios
09 Agosto 2006

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