sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O fim do privilégio europeu no FMI



   Angela Merkel e Durão Barroso apressaram-se a pugnar pela manutenção de um europeu no cargo de director-executivo, enquanto a Casa Branca guardou silêncio.

   A polémica pública em torno da sucessão de Dominique Strauss-Kahn e do número dois do FMI, o norte-americano John Lipsky que anunciara a saída para o final de Agosto, no entanto, apenas se precipitou algumas semanas.

   Strauss-Khan teria de renunciar ao cargo no final de Junho para concorrer à nomeação pelo Partido Socialista nas eleições presidenciais francesas da próxima primavera.

   As circunstâncias vergonhosas da sua detenção em Nova Iorque privaram-no de participar na fase final das negociações sobre a escolha do próximo líder do FMI, mas não alteraram no essencial os dados do problema.

                              Um duopólio em causa

  Por se saber que Strauss-Kahn não completaria o seu mandato que se prolongava até Dezembro de 2012 discutia-se a possibilidade de um não-europeu assumir a liderança do FMI.

   Os Estados Unidos, que detêm 16,80% dos direitos de voto, admitiam apoiar um candidato não-europeu, mas para levar o bloco da Europa Ocidental a aceitar perder o privilégio de nomear o director-executivo do FMI a Casa Branca teria de prescindir por sua vez da chefia do Banco Mundial, terminando de vez com o duopólio em vigor desde o final da II Guerra Mundial.

   Em qualquer dos casos os países da União Europeia e outros estados europeus, excluindo a Rússia e a Turquia, poderiam sempre manter a sua predominância na instituição pois associados aos Estados Unidos, Japão e Austrália contam com a maioria dos direitos de votos.

   O processo de reforma de quotas e direitos de voto iniciado em 2008 permitiu aumentar o capital do FMI e reforçar os direitos de votos da China, Índia, Brasil e Rússia, mas a estrutura accionista e de poder ainda está longe de representar o actual peso das economias emergentes e em desenvolvimento.

                                 Os cálculos europeus

   O Reino Unido tem 4,30% dos direitos de voto entre os 187 membros do FMI e é o único estado da UE a destoar da reivindicação europeia de manutenção do privilégio.

   David Cameron apoia um não-europeu para a liderança do FMI e a posição de princípio de Londres converge com o interesse partidário do líder conservador em anular uma eventual candidatura do antigo chefe de governo trabalhista Gordon Brown.

   Os demais líderes da UE procuram entretanto um nome consensual para conquistar a aquiescência de Washington.

   A ministra das finanças de Paris Christine Lagarde é de competência indiscutível e seria apresentada como a primeira mulher a dirigir o FMI.

   Lagarde tem contra si o facto da França ter liderado por quatro vezes e ao longo de 26 anos o FMI e a sua escolha alteraria os próprios equilíbrios na UE.

   Nicolas Sarkozy nomeara Strauss-Kahn em 2007 para se ver livre de um potencial rival político, ainda que a manobra se tenha gorado com o protagonismo renovado do FMI na sequência da crise financeira do ano seguinte.

   Desta feita, se Sarkozy abdicasse de um dos membros mais capazes do seu governo ressaltaria a ideia de que o Eliseu em conluio com Berlim pretende apenas reforçar uma convergência política de conjuntura para garantir o apoio do FMI aos resgates na eurozona.

   Merkel, que em 2004 foi buscar o democrata-cristão Horst Köhler à direcção-executiva do FMI para o fazer eleger presidente da república, tem como principal recurso a candidatura do social-democrata Peer Steinbrück, seu ministro das Finanças entre 2005 e 2009, e também neste caso são evidentes as razões de um eventual acordo com Paris.

   Nos cálculos europeus interessa sobretudo assegurar a continuidade do empenhamento do FMI na gestão da crise de dívida soberana e de balanças de pagamento da eurozona e até um candidato de compromisso como o polaco Marek Belka pode aspirar a uma nomeação.

   Aprofundar a reorientação estratégica do FMI liderada por Strauss-Kahn, com maior atenção à regulação de mercados e aos efeitos destabilizadores do agravamento de desigualdades sociais, não se conta, por outro lado, entre as maiores preocupações dos dirigentes europeus.

                                 Globalizar a chefia do FMI

   O argumento de que a crise da eurozona e os programas multilaterais de resgate em que o FMI participa na Europa são actualmente a principal frente de actuação da organização e obrigam à escolha de um director-executivo europeu com capacidade negocial face aos governantes de Berlim ou Paris e sábio na ponderação das idiossincrasias do velho continente revestem-se de um espírito de paróquia insuportável.

   O FMI é uma instituição vocacionada para análise e assistência técnicas e actua como financiador de última instância pelo que o seu âmbito de intervenção e equilíbrios institucionais não podem ficar dependentes de acordos historicamente ultrapassados.
  
   As crises financeiras conjunturais não são razão para justificar a escolha de um director-executivo que é apenas um dos elementos em causa na reorganização e reorientação do FMI.

   Os sobressaltos da eurozona representam actualmente um risco sistémico grave, tal como nos anos 80 as insolvências na América Latina e na década de 90 as bancarrotas na Rússia e no Sudeste Asiático, mas a possibilidade de crises ainda maiores advirem por causa dos défices norte-americanos ou da especulação imobiliária na China não são de excluir.

   A importância crescente dos países emergentes e em desenvolvimento obriga a terminar com o duopólio euro-americano no FMI e no Banco Mundial.

                          Bons candidatos alternativos

  Numa fase de transição é crível que Washington não dê aval a directores-executivos do FMI oriundos da China ou da Índia, optando em alternativa por personalidades de estados de menor dimensão.

   Nas listas de potenciais candidatos encontram-se alguns nomes que podem dar lugar a um consenso se Washington, até para salvaguardar os seus interesses na Ásia e na América Latina, forçar a UE e ceder por sua vez a chefia do Banco Mundial.

   O brasileiro Armínio Fraga, o mexicano Agustín Carstens, Tharman Shanmugaratnam, de Singapura, ou o egípcio Mohammed el Erian, encontram-se entre os mais capazes para protagonizar uma candidatura alternativa às pretensões europeias.

   Os estados não-europeus terão, no entanto, de chegar a um acordo prévio e podem ainda contar com outros nomes como o sul-africano Trevor Manuel ou o turco Kemal Dervis que, por sinal, podem aspirar também a uma eventual presidência do Banco Mundial quando Robert Zoellick terminar o seu mandato em 2012.

   Outras figuras de compromisso terão necessariamente menos peso, mas existem candidatos tecnicamente competentes e com experiência política capazes de assumir a chefia do FMI e pôr termo a privilégios ultrapassados que europeus e norte-americanos fariam bem em descartar.




Jornal de Negócios
18 Maio 2011

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