terça-feira, 28 de agosto de 2012
Iraque: missão inconclusiva
Até ao final de Agosto, os Estados Unidos vão reduzir para 50 mil militares o seu contingente no Iraque e, mais de sete anos passados sobre a invasão, Washington arrisca ver diminuir drasticamente a sua capacidade de influência política em Bagdad.
Barack Obama considerou ter-se entrado numa nova fase, marcada por um esforço civil para a reconstrução do Iraque suportado por meios diplomáticos, cabendo aos militares dos Estados Unidos que restam no país missões de apoio e treino às forças armadas iraquianas, além de participarem em operações contraterroristas e de segurança.
A Casa Branca congratula-se por o contingente residual representar, a partir de Setembro, cerca de um terço das tropas destacadas para o Iraque quando Obama tomou posse, em Janeiro de 2009, e considera que no final de 2011 poderá completar a retirada.
Os termos da presença norte-americana após a retirada final, acordada em Novembro de 2008, ainda não são claros, apesar de Washington prever o controlo efectivo do espaço aéreo e a parte de leão no fornecimento de equipamento, munições e treino das forças armadas iraquianas.
Um risco incontornável
O que claudica nestes planos é ponderar a reacção que uma eventual acção militar contra o Irão possa vir a provocar e a sustentabilidade da actual partilha de poderes ante um previsível aumento da violência a curto prazo.
Politicamente, a influência norte-americana caiu a pico nos anos de maior violência de guerra civil e terrorismo, entre 2006 e 2007, ao mesmo tempo que aumentava o peso político do Irão, que, entretanto, se tornou no principal parceiro comercial do Iraque.
A composição étnico-religiosa do Iraque implicava necessariamente a subordinação da minoria sunita a partir do momento em que o regime de Saddam Hussein fosse derrubado, e, na violência da guerra, as grandes linhas de repartição do poder ficaram praticamente definidas para o futuro próximo, apesar de persistir o impasse quanto a Kirkuk disputada por curdos, árabes e turcomenos.
Desde as eleições de Março que os partidos xiitas, curdos e sunitas não conseguem chegar a acordo para a formação de um governo, e o impasse tem propiciado um incremento da violência e do terrorismo políticos.
A retirada de forças norte-americanas das áreas urbanas não conseguiu obstar a uma dinâmica de violência motivada por confrontos internos, e a presença militar no país tornou-se irrelevante para potenciar pressões políticas do interesse de Washington.
A capacidade de mediação dos Estados Unidos revela-se diminuta e rivaliza com interesses díspares dos mais influentes estados vizinhos, nomeadamente o Irão e a Turquia, a par das monarquias sunitas do Golfo Pérsico, com a Arábia Saudita em primeiro lugar.
A retaliação contra alguns aliados norte-americanos, por outro lado, já começou e afigura-se sangrenta, sendo este um dos raros casos em que a manutenção de tropas dos Estados Unidos ainda pesa para adiar ajustes de contas.
Na primeira linha, esperando uma sorte igual à que coube aos Hmong do Laos, mobilizados pela CIA na guerra da Indochina, encontram-se as tribos sunitas que a partir de 2005 passaram a cooperar com os Estados Unidos na luta contra a Al Qaeda, além de mais de 3 mil guerrilheiros iranianos da Organização dos Combatentes do Povo acantonados em Ashraf, a Norte de Bagdad.
Com petróleo e sem electricidade
A economia iraquiana continuará, por seu turno, dependente do petróleo, que representa 95% das receitas do orçamento, mas o sector passou a estar aberto ao investimento estrangeiro.
Os níveis de extracção ainda não atingiram os valores anteriores à invasão de Março de 2003 (2,3 milhões de barris/dia em Julho) e os recentes investimentos de empresas petrolíferas estrangeiras, responsáveis pelo crescimento económico superior a 7% no corrente ano, são limitados pelas condições de insegurança e por um regime legal pouco claro.
O desemprego afecta cerca de 40% da população e a actividade económica ressente-se do clima generalizado de corrupção que delapidou parte apreciável, e dificilmente quantificável, dos 53 mil milhões de dólares que Washington disponibilizou para a reconstrução e formação de forças militares e de segurança.
Crédito caro, carências de quadros fugidos do país desde 2003 (cerca de 1,7 milhões de iraquianos vivem actualmente no estrangeiro, sobretudo na Síria e na Jordânia) e a omnipresente falta de electricidade, com fornecimentos limitados entre duas a quatro horas diárias, configuram um quadro de morosa e errática recuperação económica, mas, também, neste caso a retirada militar norte-americana pouco pesa.
A ameaça da próxima guerra
A Casa Branca procurará apresentar uma retirada ordenada como um sucesso e proclamará ter contribuído para a pacificação e democratização do Iraque, eliminando ameaças terroristas a nível regional e internacional.
Outro objectivo foi conseguido a médio prazo, mas não é assumido publicamente: erradicar um Iraque expansionista capaz de ameaçar militarmente as monarquias sunitas, ainda que à custa da perda do contrapeso ao Irão que representava o anterior regime de Saddam apoiado na minoria sunita.
Contar, no futuro, com o Iraque como parceiro ou, pelo menos, estado não-hostil, independentemente de uma deriva autoritária do regime ou da preservação de normas democráticas, é, contudo, mais difícil de garantir.
O desinvestimento no esforço militar no Iraque corre paralelo ao incremento no número de tropas na desventurada guerra do Afeganistão e a projecção de força na região será assegurada pela presença da V Esquadra, suportada pela instalações navais e aéreas norte-americanas no Bahrain, Kuwait e Qatar.
Em Julho contavam-se 81 mil militares norte-americanos no Iraque e 87 mil no Afeganistão. Em Setembro, saídos 31 mil homens da Mesopotâmia, o contingente dos Estados Unidos no Afeganistão chegará os 96 mil militares, mais do triplo das forças mobilizadas à data da tomada de posse de Obama.
Um eventual ataque israelita ao Irão, com obrigatória luz verde de Washington, ou uma acção unilateral militar norte-americana contra Teerão terão como resultado inevitável a convulsão do Iraque e uma recaída na guerra civil que poderá levar ao desmembramento do estado.
O sucesso da retirada militar norte-americana do Iraque e dos objectivos estratégicos de Washington na Mesopotâmia, mesmo minimalistas, está ainda longe de ser uma realidade.
Tudo está preso por fios e dependente do desenlace do conflito com o Irão.
Jornal de Negócios
04 Agosto 2010
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