sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Kosovo: o limite da lei

Um parecer minimalista e não vinculativo do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) considerando legal a declaração de independência do Kosovo de Fevereiro de 2008 deixou todas as questões políticas em aberto para a Assembleia-geral da ONU em Setembro.

A decisão do Tribunal de Haia de 22 deste mês limitou-se estritamente à questão colocada em Outubro de 2008 pela Assembleia-geral, por proposta da Sérvia, considerando que o direito internacional não interdita declarações de independência (parágrafo 84 da resolução).

Por 10 votos a favor contra 4, os juízes optaram por não se pronunciar sobre questões mais latas, designadamente "as consequências legais da declaração", "o estatuto de estado" ou as consequências legais "do reconhecimento do Kosovo pelos Estados que reconheceram a independência" (parág. 51).

O Tribunal referiu, ainda, que a Resolução 1244, de 1999, do Conselho de Segurança "visou essencialmente criar um regime interino para o Kosovo com o objectivo de enquadrar a longo prazo o processo político de estabelecimento do estatuto final". O estatuto final e as condições para a sua definição são omissas da Resolução 1244, no entender dos juízes (parág. 114).

Uma derrota diplomática para Belgrado, que contava com uma interpretação mais lata da questão por parte do TIJ negando o estatuto de estado independente ao Kosovo, e um triunfo para Pristina, que defende não existirem impedimentos legais ao reconhecimento da independência, não alteraram as realidades políticas nos Balcãs.

Um reconhecimento minoritário O Kosovo é um estado reconhecido apenas por 69 dos 192 membros da ONU, com escasso apoio na América Latina, África e Ásia e na próxima Assembleia-geral se verá até que ponto esta realidade está em vias de se alterar.

China, Índia, África do Sul, Brasil ou Indonésia continuam a reconhecer a integridade territorial e a soberania da Sérvia e, além do apoio turco, no mundo islâmico só a Arábia Saudita, Jordânia, Emiratos Árabes Unidos, Bahrein, Afeganistão e Malásia estabeleceram relações diplomáticas com Pristina.

Na União Europeia é possível que a Grécia venha a alterar posição. Para a Eslováquia e a Roménia, devido sobretudo aos problemas com as minorias húngaras, é mais difícil reconhecer a independência. O Chipre manterá um "não" intransigente, dada a situação de partilha de facto da ilha entre gregos e turcos, enquanto a Espanha se vê numa posição difícil por uma maioria de socialistas e conservadores considerar tal precedente perigoso para a unidade do Estado.

Washington continua a manter o seu apoio a Pristina, mas limita as implicações da decisão do TIJ ao afirmar que devido às condições especiais de guerra e genocídio que levaram à intervenção da NATO em 1999 a declaração unilateral de independência do Kosovo não estabelece um precedente para outras regiões ou estados.

Para a Rússia, a integridade territorial sérvia é inquestionável, tal como a soberania de Moscovo sobre a Tchetchénia. O Kremlin mantém, contraditoriamente, o reconhecimento feito em 2008 da independência da Abkázia e da Ossétia do Sul depois da guerra russo-georgiana.

As pretensões independentistas dos separatistas russófonos da Transdnístria, na Moldova, não são reconhecidas pela Rússia, que tem, por outro lado, avançado com propostas de mediação diplomática no conflito do Nagorno-Karabakh, controlado por arménios, mas reconhecido internacionalmente como território do Arzebeijão, apesar de manter um apoio estratégico a Everan.

O impasse Em Belgrado qualquer governo terá extrema dificuldade em reconhecer um Kosovo independente e aceitar uma partilha territorial que atribua à Sérvia a região a Norte do rio Ibar, concedendo direitos especiais às comunidades sérvias e às instituições da Igreja Ortodoxa dispersas pelo resto da antiga província.

Em articulação com a Administração Interina da ONU (UNMIK) a missão civil e policial Eulex da União Europeia e o contingente militar da NATO terão de continuar no terreno por tempo indeterminado para obviar a confrontos entre os mais de cem mil sérvios que restam no Kosovo e a maioria albanesa, esperando, entretanto, que a anómala entidade da Bósnia-Herzegovina não imploda por divergências entre sérvios, croatas e muçulmanos.

Para efeitos práticos, a tutela estrangeira sobre o Kosovo e a Bósnia persiste, já que é impossível reverter os efeitos das guerras balcânicas e levar no futuro próximo albaneses, sérvios, croatas e bósnios, além doutras minorias, a acordarem novas linhas de fronteira para entidades soberanas reconhecidas internacionalmente.

Não repetir o erro de Chipre
As negociações para adesão da Sérvia à União Europeia têm condições para prosseguir, até para não debilitar mais a posição do presidente Boris Tadic, mas terá de ficar claro que uma eventual entrada na União obriga à prévia definição do estatuto final do Kosovo.

Bruxelas não pode arriscar repetir o erro de 2004, quando admitiu um Chipre dividido.

Sem acordo entre os 27 quanto ao Kosovo, por outro lado, é inviável estabelecer uma estratégia negocial para futura adesão doutros estados dos Balcãs, como a Croácia, Macedónia, Montenegro e Albânia, ficando ainda por resolver a magna questão turca.

Com a Sérvia, o Kosovo e a Bósnia-Herzegovina, a União Europeia só pode negociar de momento acordos limitados sobre concessão de vistos e de cooperação sectorial.
No Kosovo, albaneses e sérvios tão cedo não irão aceitar uma partilha territorial e tentar forçar acordos com posições de princípio grandiloquentes sobre a independência de um estado soberano em Pristina apenas envenenará uma atmosfera de ódios e desconfianças.
Jornal de Negócios
28 Julho 2010

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=437025

Sem comentários:

Enviar um comentário