sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Uma guerra incontrolável



   A guerra civil síria começou por impulsionar confrontos étnico-religiosos no norte do Líbano, galvanizou os sunitas iraquianos na sua resistência à preponderância da maioria xiita e agitou separatistas curdos na Turquia.

   O regime da minoria alauíta entrou, entretanto, em rota de choque contra os islamitas sunitas no poder em Ancara e o derrube de um caça turco na linha de fronteira no Mediterrâneo Oriental avivou o risco de confronto directo entre a Síria e a Turquia.

   O apoio político e as facilidades de fornecimento de armamento, financiado sobretudo pelo Qatar e a Arábia Saudita, que a Turquia tem concedido a diversas facções rebeldes sírias é um jogo perigoso que pode descambar numa guerra com Bashar Al Assad.

   Populações curdas habitam nas regiões fronteiriças do norte da Síria e sudeste da Turquia e os dois estados estiveram já à beira da guerra até Damasco de cortar em 1998 o seu apoio ao "Partido dos Trabalhadores Curdos" de Abdullah Ocalam.

   Actualmente, a situação é mais delicada devido ao arrastar da guerra civil na Síria e aos apoios militares e diplomáticos que Assad concita de Moscovo a Teerão.

   Moscovo recusa qualquer solução que ponha em causa a preservação da base naval russa em Tartus, o reconhecimento do seu estatuto de potência com interesses do Cáucaso ao Mediterrâneo, passando pelo Cáspio e a Ásia Central -- que em nada serão favorecidos por radicalismos islamitas –, além de, subsidiariamente, recuperar o tradicional papel tzarista de defesa da minoria cristã no Levante.

   Estados como a China ou a Índia opõem-se, por sua vez, a que eventuais resoluções da ONU viabilizando uma intervenção militar limitada no conflito para protecção de civis possam ser utilizadas para cobertura de ofensivas da NATO e seus aliados árabes como ocorreu na Líbia.

   Ano e meio de manifestações e confrontos que degeneraram em guerra aberta abalaram o regime, mas os alauítas ainda demonstram clara superioridade militar.

   Os combates nos subúrbios de Damasco são cada vez mais intensos, mas Aleppo, a maior cidade do país, mantém-se sob firme controlo governamental.

   Outras minorias, caso de cristãs ou curdos, continuam a demonstrar grande reticência em alinhar com forças da maioria sunita (74% da população) onde se faz sentir a influência de movimentos islamitas, incluindo grupos anti-xiitas e anti-alauítas.

   O recurso crescente a tácticas terroristas por parte do governo e de diversos grupos revoltosos, desde o "Exército Sírio Livre" a brigadas jihadistas, realça a inviabilidade de uma intervenção externa para apoiar um bloco étnico-religioso contra outras facções.

   O conflito sírio implica, contudo, tantos intervenientes que está a revelar-se um factor de destabilização regional impossível de controlar.

   A eleição presidencial de Mohammed Mursi, ainda que coarctado pelo poder militar egípcio, confirmou a força crescente dos "Irmãos Muçulmanos" em todo o universo sunita e pesa sobre o destino da Síria.

  O islamismo radical do movimento, fundado em 1928 em Ismailia, justificou desde ideologias extermicionistas e tácticas terroristas a formas pacíficas de intervenção política e regista fracassos retumbantes, como no Sudão, ou êxitos assinaláveis conforme sucede presentemente na Turquia.

   O que vier a suceder no Egipto definirá o futuro de um islamismo político bastante diversificado que vingou no mundo sunita árabe em oposição a ideologias nacionalistas, panarabistas, liberais, socialistas e secularistas.

   O islamismo dos "Irmãos Muçulmanos" em países como a Tunísia, o Egipto ou a Jordânia é, também, uma resistência ao rigorismo wahabita promovido por uma Arábia Saudita em que a família real, bastião das monarquias conservadoras árabes, enfrenta um incerto processo de sucessão.

   A guinada islamita no Egipto suscita preocupações em Israel que, além de contabilizar o reforço do Hamas em Gaza e na Cisjordânia, vê reabrir-se a possibilidade de ressurgir a prazo um perigo militar a sul numa altura em que a frente libanesa, onde predominam os xiitas do "Hezbollah", e síria se revela insegura.

   Não aperta ainda uma tenaz anti-israelita dos Golã ao Suez, como na guerra de 1973, mas o fracasso das negociações entre o Irão e as cinco potências permanentes do Conselho de Segurança além da Alemanha confirmou para os decisores de Telavive que Teerão não abandonará o seu programa nuclear militar e que sanções económicas e financeiras dificilmente surtirão efeito.

   Demasiadas crises, cálculos e interesses contraditórios estão a convergir sobre a Síria.



27 Junho 2012
Jornal de Negócios

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