sábado, 25 de agosto de 2012

Orwell na Eurolândia

 
 
 
   Desde o início de 2010 que a tendência se acentua e o resultado é este: os depósitos de particulares e empresas nos bancos gregos caíram de valores superiores a 235 mil milhões de euros para apenas 196,8 mil milhões no final de Abril.
Às estatísticas do "Banco Central" de Atenas sucedeu-se uma avaliação da "Moody`s" referindo a perda de 8% no valor de depósitos privados na banca grega entre Janeiro e Junho.

Necessidades imediatas de dinheiro contado, opções por investimentos em ouro, transferências para o estrangeiro, designadamente para Chipre, fizeram-se sentir ainda mais em Maio e Junho.

As perspectivas até ao final do ano não são animadoras e os bancos gregos, depois de à míngua de financiamentos terem-se acolhido ao acalento de cerca de 98 mil milhões de euros junto do "Banco Central Europeu", encontram-se sob a ameaça de bancarrota.

Antes que nos encurralem Os quatro maiores bancos do país tinham no início do ano uma exposição de 39,7 mil milhões de euros à dívida pública grega e esse montante superava em mais de 200% os activos líquidos dessas instituições ("Banco Nacional da Grécia", "Pireu", "Eurobank EFG" e "Alpha").

A maior parte dos depositantes gregos foi mostrando, por sua vez, ter noção da fragilidade da banca helénica e tudo indica que já ouviu falar do "corralito" argentino.

O que possa vir a ser o equivalente helénico das drásticas medidas tomadas em Dezembro de 2001 pelo governo do presidente Fernando de la Rúa - congelamento de contas bancárias e de transacções em dólares - está em aberto, mas a singela quebra nos depósitos é claro sinal de que os gregos estão a começar a assumir o inevitável.

Estão os gregos prestes a admitir a desgraça antes dos outros e, por isso, também, desesperam.

Diógenes e seu cão Diógenes, o grande filósofo cínico dos idos do século IV antes de que se falara de Cristo, dizia ao conquistador Alexandre para não lhe fazer sombra.

Exigia, pois, o gozo do sol um mendigo negador de luxos e tal atitude terá deixado estupefacto o macedónio que tentara ser prestável do alto do seus poderes imensos ante alguém necessariamente menor.

Tal tirada de Diógenes, algo confrangedora na ressaca consumista grega dos tempos que correm, talvez escape aos seus arruinados descendentes, mas o exemplo do cínico que mendigava junto às estátuas é-lhes provavelmente mais próximo.

Sempre que pedia dirigia-se Diógenes às estátuas inertes e silenciosas pois que, afirmava, era coisa que o habituava ao "não" e "toma lá nada" como exemplos da dádiva e compreensão do dia a dia.

Dos cães que sempre acompanharam o filósofo sobra ainda agora a ironia da presença destemida nas manifestações no centro de Atenas de "Loukanikos", o último em linha da estripe de rafeiros impenitentes que sempre ladraram à desordem que é lei das mulheres e dos homens.

Os gregos têm Diógenes cada vez mais por perto.

A ilusão da notação Na espuma dos dias, que não espantaria Diógenes, degradações da notação da dívida grega chegam a ser consideradas em Francoforte-do-Menu como meros actos temporais ou parciais de forma a permitir que o BCE continue a aceitar como garantia Obrigações do Tesouro de Atenas.

Caídos sobre o Mediterrâneo, atenienses atormentados pelas manifestações na Praça da Constituição e feitos cínicos, podem continuar, num compasso de espera para o pior, a olhar para as estátuas que elas, mudas e caladas, só lhe facultarão o que credores e financiadores alheios engendrarem.

As discussões dos últimos dias sobre a qualificação e classificação do refinanciamento com prazos alargados da dívida de Atenas por parte de bancos credores, no entanto, evocam irresistivelmente George Orwell.

Tal como o "newspeak", língua oficial da Oceânia de "Mil Novecentos e Noventa e Quatro", a "novílingua" da Eurolândia oblitera termos negativos tidos por meras redundâncias.

Obrigação que valha "lixo" ou "incumprimento" de pagamento aprazado adquire constantemente novos significados em tudo diferentes do senso comum.

Tal exercício é, por certo, profícuo como mistificação, mas nada altera na realidade.
Orwell era cru e terra a terra como poucos e, muitos séculos antes, Diógenes preferia simbolicamente a companhia dos cães ao que tendia a ver como desvarios demasiado humanos.

A arrastada recusa da constatação da insolvência da Grécia, na impossibilidade de assumir transferências a fundo perdido entre estados da eurozona, está prestes a atingir o limite do razoável.

Daqui para a frente "insolvência" é "solvência".


Jornal de Negócios
06 Julho 2011
 
 

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