sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O euro é uma droga dura



  Será preciso cada vez mais dinheiro para acorrer às últimas emergências que levam Rajoy a apelar à recapitalização directa da banca, quando a dívida pública espanhola já está irremediavelmente inquinada por um turvo resgate, Samaras a tentar mitigar os compromissos falhados de Atenas e Nicósia a procurar em Moscovo 1,8 mil milhões de euros para obviar à bancarrota do segundo maior banco de Chipre.

   As sucessivas crises de dívida soberana e de balanças de pagamentos já obrigaram a intervenções do BCE no mercado secundário obrigacionista e à criação de mecanismos de resgate ao arrepio do previsto no Tratado de Maastricht que lançou o euro em 1992.

   As soluções de recurso em discussão passam por mutualização da dívida, transferências financeiras directas a fundo perdido, supervisão e garantias comuns no sector bancário e implicam que os estados solventes da eurozona assumam obrigações inauditas, além de cedências de soberania generalizadas.

   Um fundo de amortização comum para a emissão de obrigações de dívida soberana acima dos 60 % do PIB, por exemplo, serviria sobretudo para aliviar a Itália (com uma dívida pública superior a 120 % do PIB) à custa de estados como a Alemanha ou a Finlândia que arriscariam a sua notação máxima.

   A redução do excedente da balança de pagamentos de Berlim, por outro lado, é um pressuposto de qualquer estímulo ao crescimento na eurozona, mas nem a oposição social-democrata aceita enveredar por políticas que ponham em causa o equilíbrio orçamental alemão sem garantias da parte dos demais estados da moeda única.

   O euro como união monetária imperfeita -- sem normas orçamentais e fiscais comuns, nem entidade encarregue de actuar como emprestador de última instância, desprovida de mecanismos para transferências financeiras e compensação de dívidas ou de governação e supervisão económica imperativa -- exacerbou os desequilíbrios entre os estados membros.

   Países com baixos índices de produtividade, como Portugal ou a Grécia, ao perderem os tradicional recurso à desvalorização cambial e inflação acentuaram desequilíbrios das contas externas.

   A Irlanda ou a Espanha, num contexto de baixas taxas de juro e de afluxo de capitais dos estados com balanças de pagamento excedentárias, insuflaram bolhas imobiliárias que puseram em causa os sistemas financeiros e, por arrasto, obrigaram a assumpção de dívidas da banca pelo estado.

   Ante uma política monetária calibrada pelos interesses da Alemanha, que após integrar a alto custo os "Länder" do Leste e proceder a reformas laborais e da Segurança Social entrou numa fase expansionista potencializando ao máximo as vantagens que lhe propiciou a zona euro, boa parte dos demais países da moeda única seguiram o exemplo traçado por Paris e Berlim violando impunemente os limites de 3% de défice orçamental e de dívida pública até 60% do PIB do "Pacto de Estabilidade e Crescimento" de 1997.

   Sem estruturas governamentais de controlo mutuamente aceites e interventivas, culturas e tradições discordantes geraram dívidas públicas excessivas e permitiram perdas acentuadas de competitividade, caso da Itália, ou enquistaram sistemas de clientelismo de estado sustentados por financiamentos comunitários e empréstimos de risco como na Grécia.

   Atenas é exemplo paradigmático dos efeitos negativos que a entrada impreparada na moeda única provocou, da má-fé das suas elites políticos-empresariais a par da conivência dos demais poderes europeus, e do fracasso de programas de resgate assentes numa redução acelerada do défice orçamental e da dívida pública.

   O sistema clientelar que socialistas e conservadores mantiveram desde 1974 através do controlo dos recursos do estado faliu com o colapso financeiro de 2009 e ruiu com a desintegração da alternância partidária nas eleições de Maio e Junho.

   Ainda assim, os dois partidos vão tentar agora, sob a liderança do conservador Antonis Samaras, que seja prolongado de 2014 para 2016 o prazo para equilíbrio orçamental e reduzido o montante previsto de 11,5 mil milhões de euro em cortes de despesa pública.

   Após cinco anos de recessão, face à falência de sistemas básicos de segurança e assistência social, com níveis de desemprego acima dos 20 %, a sociedade grega não dá sinais de poder continuar a suportar políticas de austeridade ou de vir a retomar o crescimento.

   A Grécia permanecerá no euro apenas se os demais parceiros da moeda única aceitarem aumentar financiamentos a fundo perdido e, mesmo assim, nenhuma aliança partidária está em condições de garantir minimamente o cumprimento de programas de resgate.

   As condições extremas de Atenas levantam a questão essencial sobre a existência do euro.

   A moeda única só poderá subsistir se os integrantes da união acordarem cedências de soberania a favor de órgãos governativos com competências supranacionais.

   Um sistema de garantias mútuas implica delegação de poderes de controlo em órgãos supranacionais para coordenação de políticas comuns e tudo o que fique aquém condenará o euro a crises sucessivas.

   A partir do momento em que as fraudes e desvarios gregos com complacência dos credores revelaram a fraqueza estrutural da moeda única e da articulação da zona euro com os demais estados da UE tornou-se inevitável enveredar por políticas de cunho integracionista.

   Projectos de confederação ou federação institucional, económica e financeira carecem, necessariamente, de apoio político que em democracia obrigam a legitimação eleitoral.

   Nada aponta para que os cidadãos-contribuintes da eurozona estejam preparados para um projecto integracionista que, qual droga dura, exige doses cada vez maiores de alienação das soberanias nacionais.



Jornal de Negócios
20 Junho 2012

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=563349

Sem comentários:

Enviar um comentário