terça-feira, 28 de agosto de 2012

Oh! A Grécia!...

 
 
   Tal como Pirro, Papandreou vai amargar um voto de confiança parlamentar que não evitará a ruína da Grécia.
 
  O rei do Épiro ficou para a História ao lamentar vitórias cruéis numa guerra em que não conseguiria travar o ímpeto de Roma e os seus descendentes em Atenas contemplam igual desdita.

George Papandreou, incapaz de formar um governo dito de salvação nacional, optou sexta-feira por redistribuir pastas pelos pesos-pesados socialistas e passou o seu rival Evangelos Venizelos da Defesa para as Finanças.

A reestruturação governamental e nova vaga de medidas de austeridade confrontam-se com a oposição no parlamento dos conservadores da "Nova Democracia", de comunistas e frentes de extrema-direita e extrema-esquerda, além de crescente contestação nas ruas.

Eleições antecipadas são uma hipótese forte para tentar encontrar algum consenso mínimo que permita a um novo governo renegociar com a União Europeia e o FMI.

A margem de manobra de Atenas é, no entanto, quase nula sendo difícil perceber como será possível viabilizar as propostas dos conservadores liderados por Antonis Samara de contenção da austeridade e estímulos económicos por via da redução da carga fiscal.

A ruptura consumada

Por uma maioria parlamentar reduzida este mês de seis para cinco deputados o "PASOK" tem vindo a impor sucessivos pacotes de austeridade e reformas, mas, quase dois anos passados sobre a chegada ao poder, Papandreou viu romper-se o pacto informal que garantia a coesão na Grécia.

O próximo pacote que Papandreou pretende aprovar até final de Junho prevê reduções de 6,5 mil milhões de euros no orçamento deste ano e vem na ressaca de cortes de salários de 15% para o funcionalismo público e de 10% nas pensões do estado.

Em pano de fundo estão o défice de 10,5% de 2010 uma crescente dívida pública que em Março se cifrava em 355 mil milhões de euros, dos quais 42 mil milhões vencem a menos de um ano, e no final de 2011 atingirá os 158% do PIB nas estimativas da "Comissão Europeia".

Outros números muito reais referem uma taxa de desemprego de 16% que tenderá aumentar pois o PIB grego em 2010 (224 500 milhões de euros) caiu 4,5% em relação a 2009 e as expectativas de crescimento são diminutas.

Papandreou e Coelho

Quando Papandreou apertar amanhã a mão a Passos Coelho poderá garantir ao colega português que irá ainda arrecadar receitas de 5 mil milhões de euros em privatizações até final do ano.

A Passos Coelho cumprirá cumprimentar o homólogo grego e felicitá-lo por ter dado os passos para desbloquear os 12 mil milhões de euros pendentes do resgate de 110 mil milhões acordado em Maio de 2010.

Só que nem o recém-empossado chefe do governo português que joga a sua sorte em distanciar-se o mais possível do caos helénico, nem nenhum dos presentes na cimeira europeia terá ainda bem claro em que termos será possível financiar Atenas pelo menos até ao final de 2014 de forma a evitar o incumprimento da dívida.

Havendo quem acredite na promessa de Papandreou de por cortes, impostos e privatizações conseguir cerca de 80 mil milhões de euros para redução do défice orçamental até 2015, dois anos além do presente mandato parlamentar, a insolvência será adiada por mais alguns meses.

Portugal para cumprir os seus compromissos precisa dum compasso de espera no processo de bancarrota grega.

Para a sustentabilidade do euro suportar a dívida de Atenas deveria idealmente poder ainda alargar-se de dois anos para quatro anos para reduzir os riscos para a banca comercial, sobretudo alemã e francesa, mesmo que as perdas por via do BCE e dos resgates da UE e do FMI não possam deixar de ser importantes.

Enquanto se adiam ou minimizaram efeitos de contágio a Portugal, Irlanda, Espanha e Itália, poderá até sobrar tempo para ponderar as pontecialidades de um programa de privatizações na Grécia visando receitas de 50 mil milhões de euros até 2015. Só que os proventos da alienação de bens públicos, maioritariamente propriedades imobiliárias com cadastros dúbios, serão consumidos pelo serviço de dívida e eventuais efeitos de dinamização económica demorarão anos a fazer-se sentir.

A ruptura social, no entanto, já chegou.

O pacto e as clientelas

As privatizações representam um dos muitos cortes radicais com o passado de complacência e irresponsabilidade que levou os gregos a acumularem uma dívida "per capita" superior a 30 mil euros e rigorosamente impagável nos prazos previstos.

Sempre houve, contudo, certa racionalidade na notória irresponsabilidade financeira de Atenas e Papandreou ao prometer um referendo constitucional no Outono sobre reformas do sistema político e judicial sabe perfeitamente como será difícil iludir o essencial.

As políticas seguidas por socialistas e conservadores, e muito em particular pelas famílias preponderantes, os Papandreou e Karamanlis, desde o retorno à democracia em 1974 acentuaram um traço característico da história recente da Grécia.

A alternância das clientelas partidárias na Administração Pública fez-se por conta da dádiva de empregos, subsídios a particulares e empresas, carga fiscal reduzida, que agigantaram o estado.

Foi o preço a pagar pela pacificação de um país que passara pela ocupação por alemães, italianos e búlgaros a partir de 1941, por uma guerra civil entre 1945 e 1949 e sete anos de ditatura militar desde 1967.

A adesão à CEE em 1981 propiciou numa injecção de fundos europeus que, tal como no caso de Portugal, não resultou na almejada convergência da Grécia com os países mais desenvolvidos da comunidade.

As tranferências comunitárias reforçaram no entanto e de forma substancial o sistema de patrocínio político instituído pelos dois principais partidos gregos.

Uma economia pouco competitiva em que o sector público gerava 40% do PIB e assegurava um quarto do emprego viria ainda a aproveitar a entrada no euro em 2001 para uma derradeira vaga de expansão de privilégios suportados pelo estado.

Um modo de vida pícaro, trapaceiro e indulgente, foi, assim, sustentado anos a fio e romper com este estado de coisas é ainda mais difícil do que cumprir com os encargos da dívida.



Jornal de Negócios
22 Junho 2011

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