sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Tempo de reggaeton em Havana

   Música de luxúria e vício, lamentava-se faz três anos o oficioso periódico Juventud Rebelde, condenando os meneios obscenos do reggaeton, que anima as paixões licenciosas da mocidade cubana.

   O reggaeton é um perigo social, sinal de alienação.
   Por ironia Fidel sai de cena contemplando uma Cuba que imagina ser uma “imensa universidade” quando o reggaeton faz furor em Havana, trazendo consigo o hip hop dos bairros latinos norte-americanos e o rap na reinvenção do reggae jamaicano.

   “Sacúdelo y aguántate”, canta e dança por Havana o popularíssimo grupo Eminencia Clásica e a juventude ignora a imprensa do regime, aos costumes diz nada.

                                             O directório

   Quando em Julho de 2006 foi reinstituído o Secretariado do Comité Central do Partido Comunista, suprimido em 1991, ficou clara a estratégia de transição precisamente na altura em que a saúde traía o Comandante em Chefe.

   Dos doze titulares do Secretariado oito eram comunistas da geração pós-revolução de 1959 e cumpria-lhes impor a ortodoxia política do partido, “força dirigente superior da sociedade e do estado”, como contraponto essencial da linha de “recentralização” da economia.

   A liderar o directório de transição surge Raúl Castro, 76 anos, tutelando o Partido (de que Fidel ainda é formalmente Primeiro Secretário), o Conselho de Estado e as Forças Armadas.

   Veteranos septuagenários como José Machado Ventura e José Ramon Balaguer zelam pela organização partidária e a frente ideológica, enquanto o vice-presidente Carlos Lage, de 56 anos, encarregue dos assuntos económicos desde os anos noventa, assumiu a gestão governamental, coadjuvado pelo sexagenário Francisco Soberón, presidente do Banco Central.

   Abelardo Ibarra, de 57 anos, assegura o Ministério do Interior, enquanto o chefe do estado-maior do exército, Alvaro López Miera, de 63 anos, é apresentado como possível sucessor de Raúl Castro no Ministério da Defesa.

   Felipe Pérez Roque, 42 anos, antigo secretário pessoal de Fidel, dirige a diplomacia, mas o presidente da Assembleia Nacional, Ricardo Alarcón de Quesada, nascido em 1937, guarda poderes sobretudo no tópico fulcral das relações com os Estados Unidos.

   Quando abrir no domingo a sétima legislatura da Assembleia Nacional caberá aos 614 deputados (entre os quais não se encontrará Fidel reeleito com 99,4% dos votos a 20 de Janeiro pela circunscrição de Santiago de Cuba) aprovar o presidente do Conselho de Estado, seus cinco vice-presidentes, secretário e demais 24 elementos da liderança governamental.

   A hierarquia está definida desde 2006 e qualquer alteração de relevo da direcção política terá de se subordinar à estratégia de reforço do papel dirigente e administrativo do Partido Comunista, em conjunção com as Forças Armadas, e de dirigismo estatal na economia, a “recentralização” permitida pelos subsídios venezuelanos.

                          Grandes vantagens, grandes bloqueios

   Sobreviver ao passamento do líder máximo é desafio de monta, mas a curto prazo, o regime calcula continuar a subsistir por conta d`outrem.

  Depois de ultrapassar a crise quase fatal de 1989/1993, em que a economia sofreu uma contracção na ordem dos 35% do PIB findos os subsídios soviéticos, o regime conseguiu estabilizar a situação e passou a depender das transferências da Venezuela de Hugo Chávez.

  Nas suas “Reflexões do Presidente”, publicadas na edição de 30 de Novembro de 2007 no Granma, Fidel estimava em 7 mil milhões de dólares anuais as trocas de bens e serviços entre Havana e Caracas e afirmava que tal intercâmbio apresenta “grandes vantagens económicas” para ambos os países.

   De facto ao petróleo que vinha da União Soviética sucederam os 100 mil barris de crude/dia oriundos da Venezuela e subsídios de Caracas que representam mais de metade dos 7 mil milhões de dólares de que fala Fidel.

   Chávez é seguro de vida da fase final do castrismo e também a aposta para reavivar o sector industrial, com exemplos recentes no financiamento venezuelano para relançar a refinaria de Cienfuegos ou uma nova unidade para processamento de níquel, a principal exportação cubana, sector onde já estão presentes capitais canadianos.

   Lula, por sua vez, em visita a Havana, anunciou o mês passado a entrada em força do Brasil no mercado cubano ao prever investimentos na ordem dos mil milhões de dólares, com destaque para os planos de prospecção da Petrobras no Golfo do México.

   A perspectiva de um próximo levantamento do embargo norte-americano levou, entretanto, a Dubai Ports World – impedida em 2006 pelo Congresso de Washington de operar seis portos norte-americanos – a iniciar um estudo sobre a reconversão do porto de Mariel, junto a Havana, uma localização estratégica para acesso aos mercados do sul dos Estados Unidos.

   Passada a relevância das exportações de açúcar, cabe ao turismo, às remessas de expatriados e foragidos e à alta dos preços do níquel, sustentarem a economia numa ilha em que os rendimentos ainda se encontram abaixo dos níveis de 1989.

   A economia paralela é a chave para a sobrevivência num país em que os salários médios não ultrapassam os 20 euros mensais.

   O aumento das trocas comerciais com a China e dos créditos de Pequim, o interesse de capitais estrangeiros pelo mercado cubano na expectativa do levantamento do bloqueio norte-americano podem contribuir para estabilização do regime, mas nem mesmo um crescimento económico na ordem dos 8% ao ano é garantia de sobrevivência.

    Os bloqueios políticos são a principal razão da crise do sector agrícola que, apesar de algumas melhorias nas produções hortícolas e frutícolas, se revela incapaz de prover às necessidades, obrigando a importações de produtos alimentares superiores a mil milhões de euros/ano.

   Apesar da retórica anti-americana a realidade é que Cuba tem nos Estados Unidos o seu principal fornecedor de produtos agrícolas e alimentares.

   Desde o reinício das exportações norte-americanas, em 2001, Cuba adquiriu aos Estados Unidos 1,99 mil milhões de dólares em produtos que vão do milho ao arroz, passando pelo frango e a soja.

   Também na agricultura uma reforma do regime de propriedade é a opção mais arriscada, sempre ponderada, discutida e adiada.

                                   A maldição do consumo

   No final tudo se reduz à expressão mais crua de domínio político.

   O grosso da actividade económica, incluindo 90% das exportações e 60% das receitas do turismo, está por conta de empresas controladas pelo Ministério da Defesa e as Forças Armadas.

   O baluarte do regime é este controlo estrito do acesso a meios de produção, às redes de serviços e distribuição. É o outro lado do poder político em ditadura.

   É por isso que a voga do reggaeton entre dois milhões e meio de jovens atemoriza o regime.

   O vice-presiente Carlos Lage sabia o que dizia ao afirmar recentemente que o socialismo em Cuba só sobreviverá se a juventude se mostrar combativa e “imune aos cantos de sereia do capitalismo, à banalidade, às quinquilharias das sociedades de consumo”.

   Só que elas e eles aos costumes dizem nada e bailam“Sacúdelo y aguántate”.

Jornal de Negócios
21 Fevereiro 2008

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