terça-feira, 28 de agosto de 2012

O fatal mês de Julho

  Um ministro das Finanças que se aloja por conta de um assessor nas suas idas à capital é algo inconveniente, sobretudo quando o subordinado que paga a renda mensal de 8.500 euros pelo apartamento acaba suspeito de corrupção.
  Uma inconveniência destas veio a público em Itália e tem vindo a desgraçar o professor de Pavia Giulio Tremonti que, entretanto, entrou em litígio público com Silvio Berlusconi precisamente na altura em que se negociavam medidas extraordinárias para redução em 40 mil milhões de euros do défice orçamental até 2014.

   Uma tentativa canhestra de Berlusconi para obter vantagens financeiras para a sua "holding" "Fininvest" num processo judicial em que poderia ter de pagar uma indemnização de 750 milhões de euros (reduzida no sábado pelo tribunal da relação de Milão a 560 milhões) e exigências do parceiro de coligação Umberto Bossi, da "Liga Norte", para maiores cortes nas despesas de defesa e garantias de benefícios fiscais coloriam as discussões, mas, de repente, tudo se precipitou.

                                  Uma inconveniência maior

   A ninguém escapara que a austeridade de Tremonti, que desde 1994 tem vindo a fazer figura como homem forte das Finanças nos sucessivos quatro governos Berlusconi, remetia o grosso da austeridade para 2013, deixando a descoberto a possibilidade de eleições antecipadas já no próximo ano.
   Inconveniência maior se fez então sentir por via da crise do euro e tal abalo em muito ultrapassou as minudências e malfeitorias da política partidária e negocista da terceira maior economia da eurolândia.

   A Itália, com um crescimento económico medíocre de 0,2% ao ano na última década, somando uma dívida pública de 119% do PIB - ainda que 55% dessas obrigações sejam detidas por entidades e particulares italianos -, não está em condições de agravar um défice orçamental equivalente a 4,6% do PIB.

   Uma análise desapiedada dos compromissos de Roma, superiores a 500 mil milhões de euros para os próximos três anos quanto a pagamentos e serviço de dívida, deixou Roma em apuros.

   O encarecimento, pela primeira vez desde Novembro de 2008, dos juros da dívida pública italiana a 10 anos acima dos 5% levou de arrasto Espanha e, mesmo antes de chegar a atemorizar uma Bélgica sem governo desde as eleições de Junho de 2010 (dívida soberana de 96,1% do PIB no final do ano, segundo indica o banco central de Bruxelas, défice orçamental de 3,3% e crescimento de 2,6% nas previsões do executivo de gestão de Yves Leterme), levou ao rubro a crise em que as agruras gregas mergulharam o euro desde o Outono de 2009.

                                             O resumo do apuro

   Das soluções de emergência em discussão ressaltam alguns traços essenciais.

   O incumprimento parcial da Grécia terá de ser assumido pelos estados da Zona Euro e reduzido a um período mínimo.

   Tais custos representam apenas a primeira fase de um processo de transferências financeiras para sustento de estados da Zona Euro insolventes ou em risco de insolvência que obrigam a uma revisão dos tratados envolvendo os 17 estados do euro e demais dez parceiros na União Europeia.

   Para esses financiamentos, as exigências de alguns dos seis países com notação máxima de crédito, como a Holanda ou a Finlândia, implicam garantias hipotecárias que só poderão ser credivelmente substituídas por alienação de direitos de soberania da parte dos estados insolventes.

   Seja por via do actual "Fundo de Estabilidade Financeira" ou do "Mecanismo Europeu de Estabilidade" a instituir no Verão de 2013, as perdas de credores públicos e privados terão de ser ressarcidas em grande parte pelos contribuintes da eurolândia.

   A exposição da banca, essencialmente alemã e francesa, aos riscos das dívidas públicas e privadas dos países em risco na Zona Euro contribui para um impasse político em que os governos tenderão a optar pelo menor risco a curto prazo.

                                           O fatal mês de Julho

   As conjunturas eleitorais (previsível viragem à direita em Espanha e presidenciais francesas em 2012, seguidas de legislativas alemãs em 2013) não favorecem a negociação de consensos entre governos da União Europeia.

   Sobre a mesa estão o reformular dos presentes acordos de forma a consagrar regras de transferências financeiras, partilhas de soberania e unificação de políticas económicas e fiscais, mas as tensões na Zona Euro indiciam um confronto imediato.

   Por muito diferente que seja da ruptura fatal de Julho de 1914, as alianças e interesses de bancos alemães e franceses, com as alcavalas sociais criadas pela generalização do crédito que acabam por comprometer governos, vão obrigar a uma partilha das águas em que o euro ou subsiste graças à determinação e financiamento das maiores economias ou se desagrega.

Jornal de Negócios
13 Julho 2001

Sem comentários:

Enviar um comentário