sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A outra crise intratável




   Dia após dia, Barack Obama e seus relutantes aliados europeus, canadianos e australianos, vão somando reveses na frente de guerra afegã e deparam-se ante uma crise insanável e cada vez mais alarmante no Paquistão.

   Obama, os presidentes do Afeganistão, Hamid Karzai, e do Paquistão, Asaf Ali Zardari, respectivas chefias militares e dos serviços secretos, estão reunidos em Washington numa cimeira de emergência que vai por à prova a nova estratégia norte-americana para o arco de crises que vai do Médio Oriente, passa pela Ásia Central e culmina no subcontinente indiano.

   A tentativa americana e europeia de afastar Karzai nas eleições presidenciais de Agosto falhou e, na ausência de alternativas, a Casa Branca e a NATO vão ter de continuar a negociar com um governo em Cabul que não poderão deixar cair.

   Karzai tem deixado bem claro, ao jogar com os interesses de russos, iranianos e indianos no Afeganistão, que sabe usar contrapesos à dependência dos seus reticentes patronos ocidentais.

                                      Uma mão sem ás pashtun

   A insurreição, que mobiliza boa parte dos pashtun (40% da população afegã), e a produção de ópio, nervo da guerra, estão para durar e a estratégia de contenção por parte da NATO arrisca o fracasso à medida em que os taliban ganham força no Paquistão e consolidam a sua presença no sul do país e leste do Afeganistão.

    A incapacidade do exército paquistanês para obstar às investidas taliban para além das áreas tribais nas regiões fronteiriças com o Afeganistão, levanta cada vez maiores dúvidas sobre a capacidade do governo de Islamabade para garantir a integridade do Estado sem recorrer ao tradicional recurso de confronto com a Índia.

   As dúvidas expressas publicamente por altos responsáveis norte-americanos sobre a segurança das instalações nucleares militares e civis paquistanesas são, mais do que mera manobra de propaganda, expressão de uma real incerteza acerca dos riscos potenciais que o Paquistão representa em termos de eventual desvio de materiais capazes de produzir bombas sujas para não falar da reactivação de redes de proliferação clandestina como ocorreu com o bando de Abdul Khan nos anos noventa.

   Reforçar a ajuda militar dos Estados Unidos ao Paquistão (mil milhões de dólares anuais desde os atentados de 2001) com pretexto de apoiar acções anti-terroristas e contra-insurreição, além de verbas para o sistema de ensino (num país que apresenta deploráveis níveis educacionais com mais de metade da população analfabeta), não colhe presentemente grande favor no Congresso de Washington dado os parcos resultados obtidos até hoje.

   Um novo pacote de ajuda económica a Islamabade de 7,5 mil milhões de dólares em cinco anos proposto pela Casa Branca enfrenta resistência no Congresso e nem sequer a hipótese do líder da oposição conservadora Nawaz Sharif integrar um governo de salvação nacional servirá de contrapartida aceitável dada a ineficácia e corrupção da administração civil no Paquistão.

   Ao contrário do que sucede no Afeganistão as organizações taliban paquistanesas ultrapassam o grupo étnico pashtun (15% da população) e começaram a expandir-se pelas províncias do Punjab e de Sind, apesar de não terem presença significativa em cidades como Lahore e Karachi.

   Para o exército paquistanês, uma campanha militar em larga escala contra os taliban não é uma prioridade estratégica (80% dos efectivos continuam concentrados na fronteira com a Índia) e na região do noroeste a implantação dos integristas continuará a sustentar a insurreição dos pashtun afegãos ao mesmo tempo que alarma cada vez aliados tradicionais como a China e a Arábia Saudita.

                                           Póquer com a Índia

   Face à urgência aflitiva em Cabul e Islamabade, surge a Índia que usa o Afeganistão como frente de batalha para fragilizar o Paquistão e impor-se como parceiro preferencial dos Estados Unidos, potência pacificadora da Ásia Central e no Oceano Índico frente à China.

   O acordo nuclear de 2008 patrocinado por Washington - que permite à Índia adquirir tecnologias, equipamentos e combustíveis para fins civis sob supervisão limitada da Agência Internacional de Energia Atómica, libertando recursos para o programa nuclear militar, sem que Nova Delhi, tal como o Paquistão, tenha subscrito o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, de 1968, ou o Tratado de Interdição Completa de Testes Nucleares de 1996 - não se traduziu de momento num realinhamento estratégico.

   A prazo um entendimento entre Nova Delhi e os Estados Unidos à custa de Islamabade é, no entanto, uma alternativa cada vez mais viável à medida em que o esforço de guerra no Afeganistão fica comprometido pela presença taliban no Paquistão.

   De momento, Obama e os seus averbam derrotas tácticas que comprometem projectos de estabilização na Ásia Central e no Paquistão e tudo isso dá asas ao governo que advir das eleições indianos e imensa margem de manobra ao Irão.

   Para quem tiver de jogar no xadrez da geopolítica, tudo isto é muito pior do que os dramas da General Motors e os activos tóxicos de Wall Street.



Jornal de Negócios
06 Maio 2009

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