sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Hugo Chávez e o desespero


  

   As coisas são como são e no dia em que Hugo Chávez telefonou para a estação de televisão "TeleSur" para confirmar sucintamente que fora operado com êxito a um abcesso pélvico em Havana rebentou mais um motim sanguinário na prisão "El Rodeo" nos arredores de Caracas.

   O mundo é o que é e por altura desse 12 de Junho, em que se ouviu pela última vez a voz de Chávez, ficou-se também a saber que a inflação venezuelana em Maio chegara aos 23%.

   Sendo as coisas sempre iguais a si próprias o governo de Caracas viu-se obrigado a restringir o consumo de electricidade para evitar o colapso do sistema de produção, transmissão e distribuição de energia eléctrica precisamente quando se acentuavam as especulações sobre a saúde de Chávez.

                                O regime sem "caudillo"

  O presidente chegou a Cuba a 8 de Junho no final de uma digressão iniciada a 5 deste mês e que o levara ao Brasil e Equador.

  Dois dias depois Chávez foi alegadamente operado de emergência na capital cubana a um abcesso pélvico.

  Escassa informação vinda de Havana passou a alimentar rumores sobre eventuais complicações pós-operatórias e o estado de saúde de Chávez que no próximo mês fará 57 anos.

   Na Venezuela a ausência do "caudillo" redundou numa série de declarações desencontradas dos principais homens do regime.

   Adán, o irmão mais velho do presidente e actual governador da província de Barinas de onde é oriunda a família, excedeu-se ao admitir que a "construção do socialismo bolivariano" não pode descartar a via armada.

   O "Partido Socialista Unido da Venezuela" terá de reforçar a militância e formação ideológica das massas para avançar na senda revolucionária que ultrapassa meras pugnas eleitorais, asseverou o irmão de Hugo Chávez.

   Outros próceres do regime evitaram proclamações tão radicais e, além de condenarem obscuras conjuras domésticas e internacionais, manifestaram a certeza no próximo retorno do presidente a tempo das celebrações a 5 de Julho do Bicentenário da Independência.

   As hostes governamentais tentaram baixar o tom das especulações sobre o futuro do chavismo, mas nem por isso deixaram de ficar a claro as diferenças de tom entre Fernando Rojas, presidente da Assembleia Nacional e o vice-presidente Elías Jaua.

   Além destes putativos sucessores do caudillo, Diosdado Cabello, um ex-vice-presidente, ressurgiu como potencial candidato a uma disputa pela liderança, mas na frente chavista predominou sobretudo o voto de confiança na reeleição de Chávez em Dezembro de 2012 para mais mandato de seis anos.

   Doze anos de revolução anticapitalista, sustentada por exportações de petróleo, com concentração de poderes a favor do presidente e do funcionalismo de estado em quem Chávez delega funções, não chegaram para definir estruturas institucionais estáveis.

   O poder personalista de Chávez, tal como ocorrera com antecessores da estirpe de Getúlio Vargas ou Juan Perón, é o vértice e o limite do populismo latino-americano.

                                         Aló, Presidente

  A oposição mostrou-se igualmente desnorteada com a súbita ausência do "caudillo" e pela voz do social-democrata Antonio Ledezma, presidente da área metropolitana de Caracas e candidato à nomeação pelo "Movimento de Unidade Democrática" às próximas presidenciais, questionou essencialmente o respeito pelas regras de funcionamento do estado.

  Um candidato único à presidência deverá ser designado pelos principais partidos da oposição em Fevereiro e as sondagens constatavam uma erosão no apoio a Chávez que antes de adoecer rondava metade das declarações de intenção de voto.

  As previsões de crescimento para este ano, oscilando entre os 4% e os 2% em função dos preços do petróleo, não apontam para qualquer relançamento da depauperada economia venezuelana prejudicando as expectativas de vitória de Chávez.

   Henrique Capriles, governador de Miranda, o segundo estado mais populoso do país, é ainda um dos candidatos mais bem colocados para defrontar Chávez, mas a doença do presidente passou a baralhar os cálculos.

                                        Esperam as coisas...

  A constituição venezuelana admite uma ausência temporária do presidente por um período máximo de 90 dias consecutivos, prorrogável por outros 90 dias mediante autorização da Assembleia Nacional.

   O eventual afastamento do chefe do estado nos dois últimos anos do mandato permite que o vice-presidente o substitua em plenitude de funções até ao termo da presidência que neste caso ocorreria no final de 2012.

   O percalço de saúde de Chávez põe a claro de imediato o cunho personalista do populismo venezuelano além da fragilidade das instituições e do princípio de separação de poderes posto em causa pelo autoritarismo governamental.

  Serenas em si mesmas, sempre iguais a si próprias, esperam as coisas que o desespero as busque.

   Este verso de António Gedeão quadra perfeitamente com o desnorte da revolução bolivariana.


Jornal de Negócios
29 Junho 2011

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