terça-feira, 28 de agosto de 2012

Coisas do piorio





   Algo sombrio ressalta quando as previsões de Primavera do FMI constatam um impasse na contenção do défice orçamental e da dívida pública dos Estados Unidos, implicando risco acrescido de forte volatibilidade no mercado de obrigações e títulos de tesouro.

   Se a crise de dívida soberana e os défices orçamentais na Zona Euro se agravarem em conjunção com os impasses fiscais de Washington, será difícil que o crescimento global chegue os 4,4% previstos para esse ano e 4,5% quanto a 2012, após os 5% registados em 2010.

   As economias desenvolvidas prosseguirão na senda de um crescimento baixo até 2012, cerca de 2,5%, com a União Europeia e o Japão aquém dos 2,8% e 2,9% apontados pelo FMI para os Estados Unidos, mas é uma incógnita saber por quanto tempo mais Washington poderá continuar a agravar os seus défices.

   Ao conjunto das economias emergentes e de países em desenvolvimento cabe a parte de leão na manutenção da recuperação, designadamente pela via de impulso ao consumo.

   As previsões do FMI neste caso referem 6,5%, cabendo a liderança à China (9,6% para este ano e 9,5% em 2012) e à Índia (8,2% e 7,8%), ainda que o cenário possa ruir na eventualidade de um estoiro imobiliário chinês com suas repercussões sobre o sistema bancário da segunda maior economia mundial.

                           Perspectivas quase optimistas

   As "Perspectivas" do FMI admitem que efeitos negativos da subida de preços de matérias-primas, designadamente petróleo e alimentos, ou disfunções dos mercados cambiais por via de manipulações governamentais possam ser contidos sem resultados gravosos.

   Verifica-se aqui, no entanto, uma notória subestimação do risco social e político que as altas de produtos alimentares têm vindo a causar e que podem superar de longe os temores de sobreaquecimento que o FMI anota em relação às economias emergentes e de países em desenvolvimento.

   Conflitos no Norte de África, no Golfo Pérsico, na Nigéria ou na península coreana continuam a representar, por sua vez, o maior perigo para a segurança internacional e um óbice à recuperação da economia mundial.

  São conflitos que cedo ou tarde irão conhecer um desenlace turbulento ainda que não sejam previsíveis os momentos de ruptura.

  Perspectivas mais optimistas podem prevalecer, mas desde os recentes descalabros financeiros iniciados com a falência da Lehman Brothers, que pode vir a ter um equivalente na China, às crises em cadeia no Médio Oriente já se viram algumas coisas do piorio e alegadamente inimagináveis.

  A recuperação económica mundial e a segurança internacional continuam sob a ameaça de alguns riscos excessivos: as dívidas e défices norte-americanos e os conflitos do Médio Oriente podem ser apontados como casos exemplares.

   Sobra para Portugal uma recessão e isso é coisa certa em qualquer cenário.

                                           A dívida grega

   Na Zona Euro, a reestruturação da dívida da Grécia surge como um dos maiores imponderáveis.

  Os 110 mil milhões de euros que Atenas começou a receber no ano passado não vão chegar. A recessão grega é maior do que o previsto, dado que a economia vai sofrer uma contracção superior a 3% este ano e o desemprego andará perto dos 16%.

  O défice do orçamento grego também é superior ao esperado: atingiu em 2010 10,6% do PIB. A dívida pública, por seu turno, cifra-se em 145% do PIB.

  A Grécia não reúne condições para regressar aos mercados financeiros em 2012, conforme previa o plano de resgate a três anos da União Europeia e do FMI acordado com Atenas em Maio do ano passado.

  A Grécia terá assim de renegociar os termos do resgate para receber mais financiamentos em euros, rejeitados pela Alemanha, ou optar por um plano de dilatação dos prazos de pagamento ou assumir que não pode pagar a totalidade da dívida com efeitos negativos para os bancos europeus, sobretudo alemães.

   Numa conjuntura de alta das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu nem sequer são de excluir problemas maiores para a Espanha recapitalizar as suas caixas de aforro, ainda que a crise do euro possa ser contida em Portugal.

   O fracasso do resgate grego, somado à inviabilidade de na Irlanda as exportações dinamizarem uma recuperação económica que não deverá superar os 0,5% este ano, ensombra o que possa ser esperado em Portugal.

   Sem demonstrar capacidade competitiva desde a adesão ao euro, Portugal é um caso elementar das disfuncionalidades da Zona Euro em que certas economias se afastam cada vez mais de um núcleo capaz de manter taxas de crescimento relativamente elevadas, como a Alemanha, a Áustria ou a França.

                                   Gente do piorio

    Num Portugal falhado e recessivo a maior parte dos decisores políticos, económicos e financeiros mostra-se incapaz de dar sinais de consenso quanto às condições negociais a apresentar a potenciais credores de forma a salvaguardar áreas críticas para posterior retoma económica e protecção de grupos sociais mais expostos à crise.
 
   A política é área de confronto de interesses, mas ocorrem situações em que deve prevalecer um acordo mínimo capaz de assegurar a prevalência da integridade do estado, nomeadamente na vertente de sustentabilidade financeira e capacidade de respeito por compromissos internacionais.
 
    Rupturas revolucionárias não surgem todos os dias e na actual conjuntura não se vislumbram partidos ou movimentos sociais capazes de apresentar alternativas sustentáveis à participação de Portugal na Zona Euro.
  
   Os partidos do arco de governação, assoberbados pela crise da balança de pagamentos, partilham a ideia de que Portugal só tem capacidade de subsistência no espaço económico e financeiro da União Europeia e da Zona Euro.
 
    O clima de arruaça eleitoral, na sequência da diabolização do recurso à ajuda de emergência externa, está, no entanto, a diminuir drasticamente a margem negocial do estado.
  
   A responsabilidade pela negociação cabe a um Governo de gestão sem credibilidade numa altura em que os potenciais parceiros políticos para definição de um acordo viável se tentam demarcar das consequências do resgate.
 
   É um círculo vicioso que custará caro e visto de longe não admira que Portugal seja cada vez mais tido como entregue a gente do piorio.


Jornal de Negócios
13 Abril 2011

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