sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A guerra do yuan e do dólar


O secretário do Tesouro de Obama, Timothy Geithner, ao acusar a China de manipulação cambial subiu a parada no conflito comercial entre Washington e Pequim, que arrisca alastrar ao Fundo Monetário Internacional e à Organização Mundial do Comércio.
A acusação de Geithner foi imediatamente contestada por responsáveis chineses, denunciando veleidades proteccionistas por parte da nova administração que, alegadamente, pretenderia ainda descartar as responsabilidades dos Estados Unidos na actual crise financeira.

Geithner sublinhou, igualmente, que Washington pretende explorar todas as vias diplomáticas para "alcançar um realinhamento cambial", que passa também pela não-depreciação do iene, e apelou a Pequim para estimular o consumo interno, mas a acusação de manipulação do yuan indicia claramente que a administração Obama vai seguir uma linha de negociação dura com a China.

Manobra arriscada

É uma manobra arriscada e implica – no caso do Tesouro considerar no relatório semestral sobre políticas económicas internacionais e cambiais, a divulgar em Abril, que a China manipula o yuan para ganhos comerciais –, o desencadear de um processo formal de abertura de negociações com Pequim.

O agravar dos diferendos entre Washington e Pequim dificultará o retomar das fracassadas negociações da ronda de Doha na OMC e ameaça envolver o FMI numa discussão inconclusiva sobre as políticas cambiais dos seus estados membros.

A posição do presidente do FMI, Dominique Strauss-Khan, que considera o yuan "significativamente subavaliado", não é partilhada por outros membros da direcção executiva.

O yuan, desde o abandono da taxa de câmbio fixa em Julho de 2005, apreciou-se 21% em relação ao dólar, mas o défice norte-americano nas trocas comerciais com a China não cessou de aumentar. Acresce que, presentemente, as vendas chinesas representam 19% das importações norte-americanas, enquanto as exportações dos Estados Unidos para a China não chegam a 6% das trocas comerciais com o exterior.

O câmbio diário dólar-yuan no mercado interbancário varia numa banda de 0,5% em relação à paridade definida pelo banco central de Pequim, determinada pela oferta e procura e em função de um pacote de divisas de referência que incorpora o dólar, o euro, o iene e o won coreano, além de, em menor proporção, a libra, o baht, o rublo e os dólares australiano, canadiano e de Singapura.

O banco central tem sustido desde Julho a apreciação do yuan, mas de forma a evitar fuga de capitais. A quebra na procura internacional é responsável pelo abrandamento das exportações chinesas e a quebra nos excedentes comerciais (cifrados em 39 mil milhões de dólares em Dezembro) pelo que uma acentuada manipulação cambial no sentido da depreciação não resolveria qualquer problema, antes podendo desencadear maior destabilização financeira através de desvalorizações por parte dos competidores asiáticos e de outras economias emergentes.

Um emaranhado de interesses

O acentuado abrandamento da economia chinesa obriga Pequim a manter a estabilidade da sua moeda e do sistema bancário. Os pacotes de investimentos domésticos anunciados desde Novembro visam inverter as tendências negativas evidenciadas por um crescimento de apenas 6,6 % no último trimestre de 2008, segundo as contestadas estatísticas oficiais, o ritmo mais lento da década.

Na iminência de as exportações virem a ter um crescimento nulo este ano devido à contracção da procura internacional, a estratégia passa por obviar a crescente desigualdade e conflitualidade sociais, sendo axiomático em Pequim que um crescimento abaixo dos 8% fará disparar o desemprego para níveis socialmente incomportáveis.

Reduzir a dependência do comércio externo, aumentar o consumo doméstico (inferior a 55% do PIB), superar a subalternidade tecnológica (menos de 1/5 das exportações são classificadas como produtos de alta tecnologia) e diminuir assimetrias regionais e sociais implica reforçar medidas de assistência social e terá como consequência o abandono do objectivo de manter o défice orçamental em 1,1% do PIB, além de elevar a dívida pública, estimada oficialmente em apenas 20% do PIB, para níveis muito mais altos.

A destabilização do dólar não interessa a Pequim. A China é o maior financiador da dívida pública norte-americanas. Em Novembro a China detinha títulos do tesouro no montante de 681,9 mil milhões de dólares e 70 a 80% das reservas de Pequim são denominadas em dólares. Pequim dificilmente poderá continuar a sustentar a crescente dívida pública dos Estados Unidos, mas tão pouco lhe convém uma depreciação dos títulos do tesouro.

Neste emaranhado de interesses e constrangimentos mútuos o secretário do Tesouro entrou mal ao fazer subir a parada numa questão não essencial para o relançamento das economias norte-americana e chinesa.


Jornal de Negócios
28 Janeiro 2009

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