sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A longa marcha




   Aliviar a curto prazo a ameaça das escaramuças comerciais com os Estados Unidos degenerarem num confronto em larga escala destabilizando o comércio mundial é um dos objectivos conseguidos com o anúncio da flexibilização da taxa de câmbio do yuan.

   A banda de variação cambial diária passou esta semana a 0,5 %, terminando a indexação imposta em Julho de 2008 que, graças à intervenção do banco central de Pequim, fixava um câmbio de 6,38 yuans face ao dólar.

   A valorização do yuan será, segundo sustenta o Banco Central, gradual e contida de forma a evitar uma repetição da dinâmica ocorrida entre Julho de 2005 e o Verão de 2008 quando a divisa de Pequim ganhou 21% em relação ao dólar e a China enfrentou um afluxo especulativo de capitais estrangeiros.

                                      O mercantilismo chinês

   A China em 1994 unificou o seu sistema cambial (abolindo os certificados cambiais para uso exclusivo de empresas e particulares estrangeiros) e fixou um valor de troca do yuan em cerca de 8,6 face ao dólar.

   A lógica mercantilista levou a baixar este valor para 8,2 em 2001 e as pressões externas obrigaram à valorização de 2005.

   A gestão política da divisa chinesa, que desde 2005 tem em consideração um pacote de divisas e não se limita ao dólar, orientou-se no sentido de gerar excedentes comerciais.

   Os défices nas trocas com o Japão, a Coreia do Sul ou o Brasil, são largamente compensados por excedentes nas transacções com os Estados Unidos ou a União Europeia que viu o euro desvalorizar-se este ano 18 % em relação ao yuan.

   Em Maio o excedente comercial chinês cifrava-se em 19,5 mil milhões de dólares, registando um aumento anual de 48,5 %.

   Uma valorização do yuan em relação ao dólar é no imediato compensada pela depreciação do euro tendo em conta que 16,3 % das transacções comerciais da China se realizam com a União Europeia e 12,9% com os Estados Unidos.

   A nível interno a valorização do yuan contribui para conter a inflação (3,1 % em Maio, o nível mais alto em 19 meses, enquanto se agrava o risco de estoiro da bolha imobiliária) e baixar os custos de importação de matérias-primas, apesar de ao diminuir as margens de lucro do sector exportador poder ameaçar a subsistência de algumas unidades industriais agravando a conflitualidade social.

   A subvalorização do yuan é um facto secundário face ao aumento dos custos com remunerações do trabalho e gastos de energia que penalizam a competitividade chinesa, enquanto o passivo da degradação ambiental é tido pelos dirigentes de Pequim como incomportável.

                           A lenta promoção do mercado interno

   O modelo de crescimento económico seguido desde os anos 80 foi reconhecido como esgotado pelo Partido Comunista que para o plano quinquenal 2006-2010 apontou como objectivos fundamentais a redução da dependência do comércio externo, a superação da subalternidade tecnológica (menos de 1/5 das exportações são classificadas como produtos de alta tecnologia) e a diminuição das assimetrias sociais e regionais.

   O crescimento económico este ano deverá rondar os 9 %, acima dos 8 % considerados pela hieraquia chinesa como factor essencial para garantir a estabilidade social e conter o desemprego abaixo dos 10 %, e Pequim admite ter ultrapassado os perigos maiores da crise financeira e económica mundial.

   As autoridades chinesas mantêm a posição de que a política de Washington de dólar barato, taxas de juros baixas e déficites persistentes provoca excesso de liquidez nos mercados, sublinhando que o saldo positivo da balança de transacções correntes da República Popular baixou de 11 % do PIB em 2007 para 6,1% no ano passado, cifrando-se em 297,1 mil milhões de dólares.

   O Banco Mundial prevê que esse saldo se reduza para 4,7 % do PIB em 2010.

   As reservas em divisas estimadas em 2,4 triliões de dólares, 70 % do pecúlio em divisa norte-americana, e uma dívida pública rondando os 20 % do PIB são uma salvaguarda para conjunturas negativas e permitem folga suficiente para lançar pacotes de estímulos como ocorreu em Novembro de 2008.

                       Política cambial ao serviço das reformas

   A política cambial de Pequim é um dos componentes estritamente controlados pelo estado para uma reforma que visa um aumento do consumo doméstico que se mantém inferior a 55 % do PIB.

   É difícil às autoridades chinesas sanearem o sistema bancário ou conterem o crédito sem provocarem reacções bruscas e negativas e mais complexo ainda se mostra a tentativa de promover o consumo e reduzir uma taxa de aforro que supera os 40 % do rendimento disponível das famílias na ausência de redes de assistência social e protecção ao desemprego.

   Evitar situações de ruptura nas relações com os parceiros comerciais (as exportações foram, a par da expansão da produção e produtividade agrícolas, um dos motores do crescimento chinês desde os anos 80) é um imperativo para Pequim prosseguir a reforma de um modelo económico esgotado.

   A política cambial chinesa integra-se neste contexto de reformas domésticas que limita, em última análise, a sua flexibilidade e não se restringe a uma mera resposta política às pressões dos parceiros comerciais de Pequim.


Jornal de Negócios
23 Junho 2010

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=431455

Sem comentários:

Enviar um comentário