sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ilegalidade e partilha no Kosovo


À entrada em vigor de uma constituição em Pristina seguiu-se a instituição de um parlamento sérvio em Mitrovica e os protestos da Rússia e da Sérvia contra a eventual transferência de poderes da ONU para o governo separatista do Kosovo ou a missão da União Europeia. Desde domingo que o impasse no Kosovo cava mais fundo o fosso entre os Estados Unidos e a Rússia, põe em causa princípios básicos do direito internacional e agrava as divergências na União Europeia.
 
Apesar do apoio dos Estados Unidos, da Alemanha ou do Japão, o Kosovo é reconhecido por apenas 43 países, excluindo potências como a China, a Índia, o Brasil, a Indonésia, a África do Sul ou a Arábia Saudita.

A recusa de Espanha em aceitar a proclamação unilateral de independência de Fevereiro condiciona Portugal e bloqueia, juntamente com Chipre, Grécia, Malta, Roménia e Eslováquia, um plano de acção conjunto da UE.

A União Europeia sem mandato

Os 2 200 polícias, juízes e funcionários alfandegários que Bruxelas planeara enviar para o Kosovo na missão EULEX – estabelecida em Dezembro de 2007 para substituir as Nações Unidas e contando ainda com elementos dos EUA, Turquia, Croácia, Suíça e Noruega – continuam sem pouso certo.

Ban Ki-moon, manietado pelos vetos da Rússia e da China, declarou pretender “reconfigurar a estrutura e o perfil” da missão civil da ONU, chefiada pelo alemão Joachim Rücker, de forma à UE assumir um “papel operacional reforçado”.

Na impossibilidade de transferir poderes para a EULEX o secretário-geral da ONU admite negociar com Pristina e Belgrado o controlo de áreas-chave como as alfândegas ou forças policiais que alegadamente deveriam passar para supervisão da EU.

O secretário-geral reconhece, também, que a presença de 16 mil militares da NATO é imprescindível por tempo indefinido para manter a segurança das áreas sérvias que recusam tutela albanesa.

A NATO, por sua vez, treina um corpo de 2 500 polícias albaneses, o que a Rússia considera ser uma violação dos termos da resolução 1244, adoptada pelo Conselho de Segurança em Junho de 1999 para legitimar a intervenção militar e colocar o Kosovo sob administração interina da ONU.

O holandês Pieter Feith, representante especial da UE, não tem estatuto legal para assumir a supervisão dos sectores de justiça, forças de segurança e controlo fronteiriço, conforme previa o plano de 2007 do enviado especial da ONU Martti Ahtisaari, que foi incorporado nas disposições da constituição de Pristina, mas repudiado pela Sérvia e a Rússia.

O direito internacional claudica no Kosovo e a resolução 1244 ameaça vir a tornar-se tão ineficaz e sujeita às relações de força no terreno quanto a resolução 242 do Conselho de Segurança que se seguiu à guerra israelo-árabe de 1967.

A fronteira do rio Ibar

Na sequência das eleições locais de Maio os sérvios do Norte do Kosovo farão reunir o seu parlamento a 28 de Junho.

A data é o símbolo por excelência do nacionalismo sérvio. A 28 de Junho de 1389 os otomanos derrotaram os sérvios no Campo dos Pardais, no Kosovo, abrindo caminho para cinco séculos de domínio nos Balcãs.

O estatuto da região a Norte do rio Ibar dependerá, no entanto, da atitude de Belgrado onde o partido democrático do presidente Boris Tadic tenta formar uma coligação governamental desde as eleições de Maio para manter a porta aberta a negociações de adesão à UE sem renunciar à reivindicação de soberania sobre o Kosovo.

Para o governo de Pristina é impossível assumir o controlo das áreas onde residem mais de 100 mil sérvios e é a presença da missão KFOR da NATO, legitimada pela ONU, que define as condições de segurança no Kosovo.

A falta de reconhecimento internacional condena a economia do Kosovo, que tem metade da população no desemprego, a subsistir à custa da assistência externa, das transferências dos emigrantes, do contrabando, do tráfico de droga e pessoas.

Os investimentos necessários para recuperar o sector energético e relançar a exploração de minas estão estimados em 1,7 mil milhões de euros e o dinheiro não surgirá enquanto o estatuto do Kosovo continuar incerto.

A partilha do Kosovo – refém de outros conflitos balcânicos e das ameaças de secessões na Transdnistria, pondo em causa a Moldova, na Abkázia e na Ossétia do Sul, ameaçando a integridade da Geórgia – é a realidade no terreno.

A pretensão da UE de assumir a liderança no Kosovo, reiterada no início do ano pela presidência eslovena e por Durão Barroso, deu em nada e continua cativa de um acordo global entre Moscovo e Washington que possa levar Belgrado a reconhecer a perda da sua antiga província, ainda que incorporando o Norte de maioria sérvia.

O Kosovo adoptou um hino com o singelo nome: “Europa”.

O hino não tem letra por alegado respeito ao carácter multinacional do novo estado.

A “Europa” do Kosovo é, também, uma partitura que não sustenta nem a letra, nem o espírito do direito internacional.



Jornal de Negócios
18 Junho 2008

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