sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Onde pára o poder na Europa

   O cada vez mais influente Parlamento Europeu (PE) é vítima do défice democrático das instituições europeias, da tensão entre interesses nacionais, cooperações reforçadas e vertentes federalistas que divide os 27, e as próximas eleições serão um indicador da crescente incompreensão das opiniões públicas quanto às estruturas de poder na União. Na legislatura de 2004-2009 o PE - que começou por rejeitar Rocco Botiglione para comissário da Justiça depois do italiano ter considerado a homossexualidade pecaminosa e acabou em 2007 por causar grande embaraço aos governos envolvidos nos voos secretos da CIA para transferência de suspeitos de terrorismo - aprovou cerca de 1 200 medidas legislativas, muitas delas de impacto facilmente perceptível pelos cidadãos europeus como sejam as tarifas de roaming ou a protecção de dados pessoais.

A mescla de interesses
A repartição dos 785 deputados da última legislatura pelas grandes famílias políticas de conservadores, socialistas e liberais obrigou a compromissos, particularmente notórios nas votações na especialidade, para alcançar a maioria absoluta de 393 votos, criando coligações pontuais entre grupos maioritários e minorias como os verdes, comunistas e soberanistas.

A observância de interesses nacionais ou corporativos cria, por sua vez, dinâmicas de voto que escapam à disciplina partidária observada na maioria dos parlamentos dos estados da União e a escassa relevância política dos eurodeputados (frequentemente gente defenestrada, figuras de segunda linha ou em tirocínio para outros voos) agrava a crise de representatividade em Bruxelas e Estrasburgo.

Na medida em toda a política é local é natural que a própria arquitectura institucional da União - em que o PE, o Conselho e a Comissão detêm competências legislativas - leve os eleitorados a privilegiarem questões conjunturais nacionais nas suas opções de voto.

A irrelevância de movimentos ou partidos pan-europeus (o previsível fracasso do Libertas impulsionado por Declan Ganley, um dos líderes da campanha pelo Não no referendo irlandês do ano passado, que pugna, nomeadamente, pela eleição nacional de comissários e reforço dos poderes legislativos do Parlamento Europeu, será o próximo exemplo) apenas sublinha a prevalência dos confrontos e questões de cada país na altura das votações ditas europeias.

Défice democrático e poder efectivo

As agruras do Tratado de Lisboa, que recuperou de forma propositadamente ilegível o essencial do projecto de Constituição rejeitado nos referendos em França e na Holanda de 2005, apenas agravaram o défice democrático da União.

Consensos negociados entre governos em risco de chumbo eleitoral levaram diversos países a optar pela via das ratificações parlamentares, igualmente legítimas, mas renegando promessas referendárias como ocorreu em Portugal por parte do PS em conivência com PSD e PP.

Estes equívocos resultam das contradições inerentes a um modelo institucional em que a vertente federalista não tem cobertura consensual entre os diversos blocos de interesses dos 27, nem nas opiniões públicas nacionais.

Boa parte das opiniões públicas aceitou a alienação de soberania em matérias financeiras, económicas e de justiça, sem entender precisamente as suas consequências, mas Europa afora impera a ideia de que está fora de causa abdicar do que se possa considerar ser a palavra derradeira em matéria de decisão.

A capacidade de influenciar a decisão política em defesa de interesses próprios passa necessariamente pelos partidos políticos de cada estado.

Por assumirem que a representação partidária nacional e os governos daí emergentes detêm, de facto, o real poder de decisão os eleitores europeus distanciam-se do PE, cujo estatuto e dinâmicas negociais não têm contrapartida nos parlamentos de cada estado.

As eleições europeias têm revelado o crescendo da abstenção. A participação eleitoral passou de 63 % em 1979 para 45,7 % em 2004, ano em que a entrada de dez novos estados na União agravou a abstenção com níveis de votação inferiores a 30 % na Polónia, República Checa, Eslováquia, Eslovénia e Estónia.

As sondagens para a eleição de Junho apontam para níveis de abstenção ainda mais gravosos, em todos os países prevalecem questões de política interna nas campanhas e a prática comum de acusar Bruxelas (a sobre-estrutura partilhada em que a capacidade de influência nacional é variável) por impasses e decisões desagradáveis e de reivindicar para os governos de cada estado a conquista de verbas do orçamento comunitário e políticas favoráveis.

Depois das dificuldades de entendimento entre os 27 para enfrentarem a crise financeira e económica e os impasses sobre a revisão dos Tratados de Fundação da Comunidade Europeia (Roma, 1957) e de Instituição da União Europeia (Maastricht, 1992) é perfeitamente compreensível que os eleitorados europeus considerem que, apesar de eventuais vantagens oferecidas pelo euro ou da celebrada liberdade de movimentos, é, sobretudo, um confronto de interesses nacionais que prevalece na União Europeia. A influência na Europa decide-se, pois, na esfera nacional.

Os eleitores europeus não são os únicos a partilhar desta ideia.

Basta atentar na irrelevância que as eleições para o PE têm na comunicação social fora da União Europeia, muito mais interessada nos resultados das próximas legislativas de Junho no Líbano e das presidenciais do Irão, para constatar que a percepção dos eleitorados europeus, ambígua e equívoca, mas com um inegável sentido de realismo político, também vinga por esse mundo fora.


Jornal de Negócios
27 Maio 2009

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