sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Tragédia num país realista




   Por décadas e décadas tida por pátria de românticos insensatos, primeiro em combate pela independência perdida em 1795 e, depois, em luta constante contra nazis e comunistas, a Polónia está a dar provas de extrema ponderação ao gerir a crise aberta pela morte do presidente Lech Kaczynski e de boa parte da elite nacional.

   As normas constitucionais foram observadas e o presidente interino Bronislaw Komorowski, candidato favorito às eleições presidenciais que teriam lugar no Outono, irá agora avançar com a sua candidatura na votação para escolha do sucessor de Kaczynski em Junho.

   A maioria de centro-direita da Plataforma Cívica de Komorowski, que presidia à câmara baixa do parlamento, e do primeiro-ministro Donald Tusk, no poder desde as eleições de Outubro de 2007, tem agora uma oportunidade soberana para imperar na cena política.

                                Uma eleição quase ganha

   Jaroslaw Kaczynski, o irmão gémeo de Lech que chefiou o governo entre 2006 e 2007, é uma das opções que resta ao partido Direito e Justiça para tentar evitar a vitória previsível Komorowski na eleição presidencial.

   No desastre de Smolensk pereceu também o candidato presidencial da Aliança Democrática de Esquerda, Jerzy Szmajdzinski.

   Enquanto os principais partidos da oposição não escolhem novos candidatos perfilam-se de momento as candidaturas do vice-primeiro-ministro e ministro da economia Waldemar Pawlak, líder do parceiro minoritário da coligação governamental, o Partido dos Camponeses Polacos, e do antigo ministro ministro dos negócios estrangeiros e das finanças, Andrzej Olechowski, um dos fundadores da Plataforma Cívica que se apresenta como independente.

   Para Tusk e Komorowski abre-se a possibilidade de com uma vitória nas presidenciais antecipadas eliminarem o último foco de resistência que representava o direito de veto de Lech Kaczynski e as suas prerrogativas de nomeação na magistratura, nas forças armadas, diplomacia e administração do banco central.

   Kaczynski preparava-se, aliás, para vetar a lei de reforma do Instituto para a Memória Nacional que, liderado por Janusz Kurtyka, também falecido no desastre de Smolensk, vinha desenvolvendo uma controversa campanha de denúncia de colaboradores e alegados coniventes com o regime comunista.

   Um reforço do executivo, relegando o presidente para funções essencialmente de representação do estado, era um dos objectivos da Plataforma Cívica na refrega pela hegemonia no centro-direita para pôr termo às veleidades dos gémeos Kaczynski em fundar uma IV República livre de gente conivente com o chamado arranjismo, o Uklad polaco, de ex-comunistas, para-comunistas, pós-comunistas, liberais, plutocratas e arrivistas da transição dos anos 80 e 90, afora homossexuais e ateus.

                              O fracasso dos Kaczynski

   A tentativa do irmãos Kaczynski de instaurar a IV República fracassou após a vitória do seu partido Direito e Justiça nas eleições parlamentares de Setembro de 2005, seguida pela eleição presidencial em Outubro de Lech, dar lugar a polémicas purgas de alegados colaboradores com o regime comunista e alianças de expediente com os populistas de esquerda da Liga de Autodefesa da Polónia e os ultraconservadores da Liga Cristã das Famílias Polacas.

   O conservadorismo irredutível dos Kaczysnki, que desde a eleição de Lech para presidência da Câmara de Varsóvia em 2002 imperava na direita polaca, acabou, no entanto, por marcar a política nacional.

   A ascenção do Solidariedade no final dos anos 80 (numa longa luta que logo em Agosto de 1980 teve o seu primeiro grande momento nos protestos pelo despedimento dos estaleiros de Gdansk da sindicalista Anna Walentinowicz, também morta no desastre de Smolensk) caracterizou-se pela tentativa de negociação de compromissos à revelia do esterótipo da nação do romantismo irrealista.

   A intransigência do partido Direito e Justiça foi a resposta de uma direita tradicionalista repudiando os compromissos do pós-comunismo. Cabe, contudo, nesta luta ideológica grande mérito aos gémeos Kaczynski pelo seu repúdio do persistente anti-semitismo polaco.

   Mesmo depois de Jaroslaw ter sido afastado do governo, Lech continuou a marcar um tom visceralmente anti-russo e anti-alemão complicando a diplomacia de Varsóvia e as negociações na União Europeia desde a entrada da Polónia em 2004, conseguindo designadamente manter até 2014 os 27 votos de Varsóvia no Conselho Europeu depois de uma polémica amarga com Berlim sobre o mortícinio de polacos na II Guerra Mundial.

   O apoio incondicional de Lech Kaczynski à Geórgia na guerra de 2008 foi um exemplo claro de uma política assente na suspeita sistemática sobre efectivas e potenciais ameaças russas, com o contraponto numa aliança em Washington, o que o levou ainda a desconsiderar as aberturas de Moscovo para a comemoração conjunta dos 70 anos do massacre de Katyn a que Donald Tusk compareceu na quarta-feira ao lado de Vladimir Putin.

                                        Outro realismo

   A catástrofe de Smolensk, entroncando na memória do massacre de mais de 20 mil militares e intelectuais polacos por Stalin em 1940 depois da partilha nazi-soviética da Polónia em 1939 que desencadeou a II Guerra, poderá, no entanto, contribuir para uma aproximação entre Varsóvia e Moscovo.

   O Kremlin teve uma atitude irrepreensível no inquérito ao acidente e na prestação de condolências à Polónia o que só pode contribuir para reforçar a aproximação entre Varsóvia e Moscovo.

   Muitas divergências irão persistir.

   Varsóvia continua a defender a integração da Geórgia e da Ucrânia na NATO, encara com apreensão o projecto do gasoduto no Bático North Stream da Rússia à Alemanha, evitando território da Polónia sem considerar a hipótese de um ramal para o porto polaco de Swinoujscie, e séculos de martírios implicam necessariamente um óbice às relações com Moscovo.

   Outro tanto marca a relação com a Alemanha, mas sendo Berlim o principal parceiro comercial de Varsóvia, Donald Tusk e Bronislaw Komorowski, guardam razões suficientes para reforçarem a cooperação com o vizinho a ocidente.

    Um bom desempenho da economia polaca que escapou à recessão europeia, com crescimento de 1,9 % em 2009 e cerca de 3 % previstos para este ano, são trunfos na mão do centro-direita para reforçar o seu predomínio com uma vitória na próxima eleição presidencial.

   Setenta anos depois, outra tragédia em Smolensk, deixa imensa mágoa em aberto na Polónia, mas, muito provavelmente, será, também, uma oportunidade para consolidar um certo realismo político.


Jornal de Negócios
14 Abril 2010

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