sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A ambiguidade estratégica da NATO


"Quem é o inimigo?" - uma questão velha como o mundo embaraça a NATO desde o final da Guerra Fria e está na base das discussões sobre a revisão do conceito estratégico da aliança.

Pela negativa, a arrogância da administração Bush em 2001 - tendo, no entanto, a seu favor uma avaliação correcta das insuficiências operacionais dos aliados e falta de vontade política efectiva da maioria para mobilizar meios suficientes -, bem como a urgência da retaliação, levou Washington a descartar o recurso à NATO para a intervenção no Afeganistão.

Na sequência dos atentados de 11 de Setembro, apesar de pela primeira vez desde 1949 ter sido invocado pela NATO o artigo 5.º, obrigando à solidariedade mútua ante um ataque contra um dos estados aliados, a decisão de Washington de atacar o Afeganistão, feudo taliban e base operacional da Al Qaeda, descartando a mobilização da NATO, acabou por embaraçar os aliados europeus.

Uma primeira resposta a esse mal-estar levou à decisão na Cimeira de Praga de 2002 de criar uma força de resposta rápida e uma entidade (Allied Command Transformation) para "manter e reforçar a relevância e eficácia militares da Aliança".

Relegados numa primeira fase para um papel subsidiário após o derrube do regime islamita taliban os aliados acabaram por se envolver numa guerra de longa duração sem objectivo definido no Afeganistão para depois se dividirem quanto à justificação e lógica da guerra contra o Iraque de Saddam Hussein em 2003.

UM EQUÍVOCO A LESTE Nova cimeira em Riga, em 2006, endossou "Directivas Políticas Compreensivas" que não obstaram a que dois anos depois erros de avaliação estratégica quanto à doutrina russa de zonas privilegiadas de influência conduzissem a NATO a equivocar-se em relação à declaração de disponibilidade para eventual integração da Ucrânia e Geórgia, reiterada na cimeira de Bucareste, acabando por deixar a aliança impotente ante o conflito entre Moscovo e Tbilissi no Verão de 2008.

Chega-se, assim, a Lisboa com uma agenda de dilemas prementes.

A insolúvel guerra no Afeganistão, o projecto de defesa contra mísseis balísticos, a retirada do arsenal residual de armas nucleares tácticas da Europa estão no topo das discussões, mas o essencial reside na definição do conceito estratégico.

A própria definição do que seja "um ataque militar" na Europa e na América do Norte está em causa e condiciona eventuais intervenções fora do espaço europeu e do Atlântico Norte.

O exemplo mais óbvio tem a ver com a ameaça de ataque a redes informáticas.

Em sentido estrito guerra na dimensão do ciberespaço implica acções ofensivas com o objectivo de tornar inoperacionais redes informáticas militares e civis.

A identificação do agressor, a articulação dessas acções com outras movimentações militares, é, presentemente particularmente dúbia (tendo em conta os exemplos de ataques informáticos em larga escala como os ocorridos contra a Estónia em 2007, a Geórgia em 2008 e a Birmânia este ano).

Apesar destas ambiguidades um ataque que punha em causa a segurança de sistemas informáticos militares e civis essenciais à segurança de um estado deverá contar-se entre as ameaças que obriguem a uma retaliação, ou acção preventiva ante risco de ataque iminente, segundo os princípios de resposta necessária, discriminada e proporcional.

Outras questões genéricas que envolvem um conceito estratégico de uma aliança militar defensiva envolvem a segurança de abastecimentos tidos como essenciais, designadamente matérias-primas e alimentos.

Essencial é, ainda, uma estratégia comum face ao risco de proliferação de armas nucleares, químicas ou bacteriológicas que, na posse de estados tidos por hostis e arredios às normas internacionais de controlo ou organizações não-estatais, possam pôr em causa a segurança dos aliados e da comunidade internacional conforme tal perigo venha a ser reconhecido, em princípio, em instituições como a ONU.

A militarização do espaço é, em regra, ignorada, mas os Estados Unidos em particular devem uma explicação aos seus aliados quanto a projectos em curso que podem colocar Washington em risco de colisão com a Rússia e a China.

CINGIR-SE AO ESSENCIAL Longe de ser uma questão esotérica, a discussão sobre o conceito estratégico da NATO é, de facto, o essencial da cimeira de Lisboa.

A clarificação do que seja um "ataque militar" ou seu risco iminente é parte fundamental da definição de ameaça e identificação de potencial inimigo capaz de agregar os 28 estados da NATO numa estratégia comum de defesa.

Só a partir do momento em que estejam definidas estas questões é possível encetar projectos de alianças e parcerias de segurança, mobilizar e articular recursos, e delimitar áreas de intervenção com ou sem respaldo de eventuais associados, sejam eles estados ou organizações internacionais.

Na impossibilidade de enunciar um quadro exaustivo de ameaças à defesa colectiva e termos de resposta a eventuais ataques restará sempre uma relevante margem de ambiguidade na estratégia da NATO.

O fundamental, no entanto, é que fiquem suficientemente claras as linhas essenciais do que sejam os imperativos estritamente militares, evitando assim tornar riscos diversos, ainda que com consequências prementes de segurança (ameaças ambientais, tráfico de estupefacientes, colapso de estados em crise, etc.), ou conflitos fora da área geográfica da NATO, matéria de dissensão entre os próprios aliados.




Jornal de Negócios
18 Novembro 2010

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