sábado, 25 de agosto de 2012

VIDA SEXUAL DE KANT ENCANTA INTELECTUAIS BRASILEIROS





   Immanuel Kant não foi homem de aventuras mundanas; bastou-lhe o rigor da revolução filosófica.

   Em Könisberg nasceu, a 22 de Abril de 1724. Neste porto báltico da Prússia Oriental -- o actual enclave russo de Kaliningrad -- estudou, meditou e morreu, a 12 de Fevereiro de 1804.

   Foi professor ponderado, meticuloso, de hábitos austeros.

   Na velhice, os seus encontros quotidianos com o comerciante inglês Joseph Green " conversas ao fumo de cachimbo sobre os desmandos do mundo, os méritos de Hume e Rousseau " terminavam inelutavelmente às sete da tarde e os vizinhos habituaram-se a acertar os relógios à saída do filósofo destes conclaves eruditos.

   O seu último biógrafo, Manfred Kuehn, da Universidade de Magburgo, evoca os hábitos algo excêntricos de um pensador revolucionário na obra publicada este ano pela Cambridge University Press "Kant: A Biography ", mas sublinha, também, o carácter cosmopolita e gregário do pensador de Könisberg, considerando que a filosofia crítica de Kant "é uma expressão da sua forma de vida".

   É deste pressuposto que parte, precisamente, um filósofo até agora desconhecido, Jean-Baptiste Botul, numa pequena brochura de 93 páginas " "La vie sexuelle d`Emmanuel Kant", Mille e Une Nuits, Paris, 1999, agora discutida em França e muito badalada no Brasil.

   Este "filósofo de tradição oral", na apresentação que dele faz o seu editor Frédéric Pagès, assume que existe na "banalidade procurada, cultivada, qualquer coisa de consubstancial à filosofia de Kant".

   O temperamento hipocondríaco e obsessivo do casto autor da "Crítica da Razão Pura" escondia, afinal, "aventuras tenebrosas, incursões aos confins da loucura".

    Com semelhantes tiradas, terá assombrado Jean-Baptiste Botul os seus ouvintes na conferência proferida em 1945, na cidade paraguaia de Nueva Könisberg, que está na origem deste livro, lançado agora em português pela Unesp, a editora da Universidade de S. Paulo.

   A renúncia aos prazeres praticada por Kant terá cativado os habitantes de Nueva Könisberg, colónia alemã onde os habitantes "se vestiam como Kant, comiam, dormiam como ele, e faziam a cada tarde o mesmo passeio lendário num cenário reconstituído que evocava as ruas de Könisberg".

   A conferência de Botul terá tido sido, naturalmente, bem recebida pelos seguidores de Kant no Paraguai, continua o seu editor Frédéric Pagès, tanto mais que, conforme referia um crítico do mensário parisiense "Le Monde Diplomatique", na edição de Fevereiro deste ano, as considerações do filósofo francês relevam de "uma profunda reflexão".

   A filosofia de Kant é prova, segundo Botul, da necessidade de preservação de "uma raça especial de solteiros e de indivíduos castos que decidem não procriar, recusar as alegrias duvidosas do casamento e consagrar-se à transmissão dos conhecimentos, quer dizer, à cultura".

   A vida de Botul foi, por sinal, o oposto da monotonia sedentária de Kant. Segundo informa o seu biógrafo, Jean-Baptiste nasceu em 1896 em Lairière, conheceu Zapata, Pancho Villa, Baden-Powell, teve um affair com a princesa Marie-Bonaparte, a patrona de Freud em França, foi íntimo de Jean Cocteau e ajudante de campo de André Malraux. Aparentemente faleceu na obscuridade, em 1947.

                                       O Botulismo da Razão

   Tudo razões substanciais que enterneceram "Le Monde Diplomatique", levaram a Universidade de S. Paulo à tradução da obra e a mais cotada das revistas brasileiras, a "Veja", a admitir o bem-fundado da tese de Botul segunda a qual "a vida sexual de Kant é uma das mais graves questões da metafísica ocidental".

   Na resenha publicada na edição de 09 de Maio, a "Veja" afiançava que graças a Botul é crível ver na "Crítica da Razão Pura" a "expressão dos instintos voyeurísticos de Kant".

   O Botulismo alastrava pela intelectualidade brasileira quando um crítico da revista cultural online  http://www.no.com.br  Paulo Roberto Pires, chamou atenção para as incongruências do filósofo imaginário.

   Afinal, Botul era filho da ironia do seu amigo Frédéric Pagès, que ainda há dois anos publicara uma investigação sobre "Descartes e a Maconha", em que procurara demonstrar como o racionalista francês se dera aos prazeres do fumo em Amsterdão em busca de inspiração.

   Pagès, colaborador habitual da  http://www.no.com.br,  ironizou, lamentando sobretudo que a filosofia de Jean-Baptiste tenha sido prejudicada por se confundir com o botulismo, doença homónima que o incauto pode "pegar e morrer se comer, por exemplo, um enlatado com a validade vencida.

    Mas o ensino académico às vezes é assim, está estragado e é muito perigoso".

   A meio da confusão, o filósofo Jézio Gutierre doutorado com uma tese sobre Kant e assessor editoral da Unesp veio explicar ao "Estado de S. Paulo" (edição de domingo, 13 de Maio) que, apesar da "interpretação risível" de Botul, os dados sobre Kant "na quase totalidade das vezes são acurados" e que "A vida sexual de Immanuel Kant" "permanece sendo um livro informativo".

   O caso "constrange" a Unesp mas, segundo o seu responsável, a culpa é da editora parisiense Fayard que, depois de adquirir o catálogo da pequena "Mille et Une Nuits", vendeu a obra de Botul como investigação de autor reputado.

   O "Jornal do Brasil" prossegue a polémica na edição de 15 de Maio, acusando a "Veja" de não assumir que "comprou gato por lebre", enquanto, inabalável, Frédéric Pagès confirma que o telefone da associação "Amigos de Jean-Baptiste Botul" (33 04 68 70 04 79) se mantém em serviço, bem como o seu mail na  htttp://www.no.com.br.

Publicado em Netparque
16 Maio 2001

   Para acompanhar a inestimável sátira da "Association des amis de Jean-Baptiste Botul" consultar http://www.botul.fr/ (Nota de Agosto de 2012)

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