terça-feira, 28 de agosto de 2012

Incúria estratégica



   A mina de Mountain Pass, no sudeste da Califórnia, conta toda uma história que explica a crescente controvérsia estratégica sobre os abastecimentos de minérios raros.
 
  Desde os anos 60 até meados da década de 90 do século XX Mountain Pass foi o maior centro mundial de extracção de minérios raros, a começar pelo európio utilizado no fabrico de tubos catódicos de televisões.

Outros minérios raros, como cério ou lantânio, eram extraídos da mina nos contrafortes da cadeia montanhosa de Clark, mas na última década do século a proprietária, a petrolífera californiana Unocal, desinvestiu na exploração da mina a céu aberto.

Processos na Califórnia e no Nevada por fugas de água radioactiva e, sobretudo, a nascente concorrência chinesa que provocou uma acentuada baixa de preços tornaram desinteressante a mineração em Mountain Pass.

A mina fechou em 2002 e, entretanto, coisa já mudara no rarefeito mercado dos minérios raros.

Abrir caminho à China
Ao contrário do que o nome indica este conjunto de 17 minerais (disprósio, xenótimo, érbio, etc.), cuja descoberta remonta aos finais do século XVIII, encontra-se disperso por muitas regiões do globo, do Brasil à África do Sul, concentrando-se os maiores depósitos na Mongólia Interior (China), Califórnia e Austrália Ocidental.

Qualidades como a luminiscência, magnetismo ou resistência tornam estes minérios essenciais à produção de muitos artigos de alta tecnologia de uso civil e militar - na ausência de alternativas viáveis correntes oferecidas por nanotecnologias - e o sector das energias renováveis consume presentemente 20 % da produção.

Num exemplar caso de incúria estratégica, incluindo interesses de estado, toda a concorrência se deixou abater pelo aumento da produção chinesa que entre 1990 e 2006 fez os preços caírem em média 75%.

Nem a crescente utilização de minérios raros no sector das energias renováveis ou de computadores impediu que a China, com apenas 36 % das reservas conhecidas, acabasse por controlar 97 % da produção.

Seria um problema menor dado as reservas conhecidas serem suficientes a médio prazo e em muitos casos a longo prazo, não fora dramas conjunturais deixarem a claro o controlo chinês de um mercado que apesar de movimentar apenas 2 mil milhões de dólares acaba por condicionar sectores de alta tecnologia ou áreas convencionais como a produção de cerâmicas ou vidro.

Uma dependência insustentável

A questão começou por assumir contornos sérios em 2007 num diferendo entre empresas norte-americanas e fornecedores chineses e agravou-se no ano passado quando Pequim restringiu as vendas ao estrangeiro, designadamente ao Japão.

Em Julho a China anunciou uma redução de 72 % nas vendas ao estrangeiro, invocando razões ambientais, valor estratégico e necessidades de consumo doméstico.

Ameaças de retaliações comerciais e processos na Organização Mundial do Comércio de pouco valeram e Pequim, que nunca poderia forçar excessivamente a mão devido às suas necessidades de abastecimento energético (de petróleo a gás natural, passando por minério de ferro), acabou o ano restringindo ainda mais a produção e exportação de minérios raros.

É, de facto, uma rara oportunidade que Pequim aproveitou para potenciar a capacidade concorrencial das empresas chinesas consumidoras e exportadoras de artigos incorporando minérios raros e a última cartada fez-se à mesa no final de Dezembro.

O Ministério do Comércio de Pequim definiu quotas de exportação para empresas chinesas e estrangeiras para o primeiro semestre de 2011 limitadas a 14.508 toneladas de minérios raros (3.746 toneladas correspondem a empresas de capitais estrangeiros) quando em idêntico período do ano passado permitira vendas de 22.282 toneladas.

Uma mina na Califórnia

Contra factos sobram poucos argumentos.

O Japão procura fornecimentos alternativos do Vietname à África do Sul, a União Europeia estuda como criar reservas para colmatar falhas de abastecimentos e nos Estados Unidos ponderam-se sucessivos estudos, a começar por um relatório da Academia das Ciências de 2008 que alertava para a insustentável dependência de fornecimentos externos, para obviar uma dependência que levará entre dez a quinze anos a ser ultrapassada.

Do curto interlúdio em que neglicência diversa propiciou um monopólio chinês sobram as expectativas de investimento.

Empresas da Austrália, Canadá e África do Sul relançaram investimentos na mineração de metais raros.

A Chevron que tinha absorvido a Unilocal em 2005 e optara por vender a mina de Mountain Pass ao consórcio Molycorp três anos depois fará contas à vida.

As acções da Molycorp, que entrou em bolsa em Julho, estão em alta por muito e bom tempo e a mina de Mountain Pass retomará a mineração no final deste ano.

Por mais três ou quatro anos, pelo menos, o mercado de minérios raros continuará a ser dominado pelo China que, melhor ou pior, tudo fará para valorizar uma vantagem que soube ganhar e a incúria alheia potenciou.

Jornal de Negócios
05 Janeiro 2001

http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=461399

Sem comentários:

Enviar um comentário