sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Levante rumo a uma carnificina em larga escala




   Na guerra da Síria em que convergem interesses contraditórios de estados vizinhos e potências distantes e a maior parte das clivagens do Médio Oriente é devastador constatar como alguns dos desvarios mais notórios de outros conflitos, do Afeganistão ao Iraque, se repetem à exaustão.

   A partir do momento em que israelitas e norte-americanos começam a divulgar informações sobre movimentações de arsenais de armas químicas na Síria pode dar-se por adquirido que a intervenção militar ocidental por interpostos combatentes entrou em crescendo.

   As alegações surgiram na semana passada, foram ampliadas por um trânsfuga do regime – Nawaf Fares, ex-embaixador em Bagdade, que admitiu a eventualidade de Bashar Al Assad utilizar armas químicas contra os opositores – e tiveram um contraponto numa série de ataques do "Exército Livre da Síria" em Damasco.

   À imagem do que ocorreu no Iraque, em 2003, a questão de armas de destruição maciça é apresentada como motivo da maior preocupação.

   A Síria, não-signatária da "Convenção sobre desenvolvimento, produção, armazenamento e utilização de armas químicas e sua destruição", de 1993, dispõe de arsenais significativos criados com apoio soviético.

   Damasco possuirá, ainda, armamento biológico, mas as existências de bombas de gás sarin ou gás mostarda, passíveis de serem disparadas através de mísseis balísticos, peças de artilharia ou lançadas por avião, apresentam os maiores problemas.

   Al Assad teria ordenado o reforço da segurança em depósitos em Homs, Aleppo, Dair es Zor e Hama, além de proceder a algumas transferências de arsenais, o que, a confirmar-se, seria sinal de inquietação crescente quanto à segurança deste armamento.

   O recurso em última instância a armas químicas ou biológicas implicaria um isolamento diplomático praticamente absoluto para Al Assad e não é tido como crível pela maior parte dos estados-maiores de Ancara a Washington, mas o risco de grupos terroristas ou bandos criminosos se apoderarem de parte desses arsenais começou a ser referido publicamente com insistência.

   Na guerra de propaganda o perigo de uso, deflagração acidental, ou dispersão anárquica de armas químicas é um meio importante para realçar a periclitante situação do regime, ainda que, apesar da crescente amplitude e virulência dos ataques de grupos oposicionistas, Al Assad conte de momento com superioridade militar.

   O oficialato oriundo da minoria étnico-confessional alauíta, que sustenta até às últimas consequências o regime, continua a mostrar-se fiel a Al Assad e os mais notórios desertores, caso de Fares ou do general-de-brigada Manaf Tlass, são sunitas.

   Entre as elites colaboracionistas da maioria sunita (cerca de 75% da população) começa a agigantar-se o descontentamento e temor de que o regime colapse, mas a maior parte dos membros de minorias como os cristãos, ismaelitas ou druzos, teme, sobretudo, as consequências de uma tomada do poder por grupos islamitas que ponham em causa a sua própria existência.

   O envolvimento da CIA e de outros serviços secretos ocidentais, a par do Qatar e da Arábia Saudita, no financiamento, armamento, apoio logístico e comunicação de informação militar accionável no terreno, tem vindo a reforçar forças oposicionistas, mas persiste a conflitualidade entre grupos laicos e islamitas, diversas facções étnicas, confessionais e políticas.

   Damasco tem o apoio diplomático de Moscovo que esta quarta-feira vetará no "Conselho de Segurança", possivelmente com apoio de Pequim, uma resolução proposta por Paris, Washington, Londres e também Berlim que, prolongando por mais 45 dias a presença de uma missão de observadores da ONU na Síria, propõe a adopção de sanções caso Al Assad não retire tropas e armamento pesado de áreas urbanas.

   Todos os intervenientes na guerra civil, de Teerão a Riade, passando por Moscovo ou Washington, carecem de trunfos fortes na guerra civil síria.

   Um exemplo dessas fraquezas relativas e ambiguidades foi dada por Moscovo que ao anunciar nova ronda de exercícios militares no Mediterrâneo este Verão, com paragem obrigatória na base russa de Tartus na costa síria, enviou uma frota em que sobressaem navios de desembarque anfíbio passíveis de serem utilizados na evacuação de nacionais russos.

  Na guerra da Síria em que convergem interesses contraditórios de estados vizinhos e potências distantes e a maior parte das clivagens do Médio Oriente é devastador constatar como alguns dos desvarios mais notórios de outros conflitos, do Afeganistão ao Iraque, se repetem à exaustão.

  Do confronto por uma anárquica diversidade de interpostos combatentes financiados e armados por potências rivais, a ameaças de intervenções militares directas contra um regime sustentado por uma minoria étnico-confessional numa luta de vida ou de morte contra opositores domésticos, tudo converge para uma carnificina em larga escala.
Jornal de Negócios
18 Julho 2012

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